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Publicado em: 20/08/2021

Defeito do sistema imunológico é responsável por 20% das mortes por covid-19

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Nuño Dominguez - El País

Menino olha para seu pai, nesta quarta-feira, internado por covid-19 em um hospital no Estado de Missouri, EUA.SARAH BLAKE MORGAN / AP

 

Dois estudos esclarecem por que algumas pessoas contraíram a infecção do coronavírus sem apresentar problemas enquanto outras adoeceram até a morte. Um dos estudos aponta que quase 20% das mortes por covid-19 se devem ao fato de os pacientes produzirem um tipo de proteína do sistema imunológico que, longe de protegê-los contra o vírus, exacerba seus efeitos.

Há quase um ano, um consórcio internacional de cientistas e médicos já alertava que 10% dos pacientes produziam autoanticorpos, proteínas do sistema imunológico que inexplicavelmente se voltam contra o organismo do paciente. Esses anticorpos defeituosos atacam os interferons tipo 1, um conjunto de moléculas fundamentais porque, logo depois da entrada do vírus no corpo, eles se encarregam de interceptá-lo, disparando um alarme geral em todos os tecidos para que as células ativem seu maquinário de proteção. O bloqueio dessa molécula é suficiente para que a infecção se agrave e ponha em risco a vida do paciente.

Esses novos estudos realizados pelo mesmo consórcio são muito mais completos, pois já analisaram mais de 3.500 pacientes em estado crítico por causa da covid-19. Os resultados foram publicados nesta quinta-feira na Science Immunology e mostram que quase 14% dos pacientes gravemente enfermos tinham esses anticorpos defeituosos.

O trabalho também mostra que esses autoanticorpos são muito mais comuns em pessoas de idade avançada. Cerca de 6% das pessoas com mais de 80 anos têm esses autoanticorpos presentes no organismo antes da entrada do vírus, enquanto apenas 0,18% das pessoas entre 18 e 69 anos os desenvolvem, de acordo com o estudo, que, para esta análise, examinou amostras de quase 35.000 pessoas. A presença desses autoanticorpos também é maior em pacientes com algumas doenças imunológicas prévias, como o timoma, que afeta o timo, espécie de quartel onde os membros do sistema imunológico são treinados para diferenciar quais moléculas são suas e não devem ser atacadas e quais pertencem a agentes patogênicos e têm que ser aniquiladas. “É possível que parte das reinfecções que vemos nas pessoas vacinadas se devam a esses autoanticorpos”, explica Carlos Rodríguez-Gallego, imunologista do Hospital Universitário de Gran Canaria Doctor Negrín e coautor do estudo.

“É lógico pensar que a vacina também protege as pessoas que possuem esses autoanticorpos. Esses novos dados devem ser usados para selecionar bem os grupos de risco que poderiam se beneficiar de uma terceira dose da vacina”, acrescenta Rodríguez-Gallego. O médico lembra que agora é possível fazer um teste especial para detectar essas moléculas e, portanto, saber se uma pessoa infectada tem maior risco de sofrer de covid-19 com gravidade. Também aponta duas possibilidades de tratamento: nos primeiros dias da infecção, quando ainda quase não há sintomas, pode-se usar interferon. Se a doença já estiver avançada, seria necessário recorrer à plasmaférese, uma filtragem do sangue para eliminação de anticorpos malignos e outras moléculas inflamatórias.

O mesmo consórcio esclarece em um segundo estudo uma das razões cruciais para que a covid-19 esteja sendo mais letal para os homens. Trata-se de uma mutação no gene TLR7 que predispõe as pessoas a ficarem em estado grave pela covid-19. Este gene está no cromossomo X, o que torna os homens muito mais vulneráveis, já que eles possuem apenas uma cópia desse cromossomo enquanto as mulheres carregam duas, reduzindo significativamente o risco. O trabalho avalia que esse defeito hereditário pode explicar quase 2% dos casos de pneumonia grave por covid-19 em menores de 60 anos. “Esta é uma das poucas evidências que realmente explica por que um subgrupo de pacientes piora e isto representa pouca esperança para eles”, reconhece Manel Juan, imunologista do Hospital Clínic, de Barcelona. O médico lembra que uma das coisas que precisamos averiguar agora é se esses dois fatores de risco também estão por trás de parte das reinfecções em pessoas totalmente vacinadas.