EPSJV, RETS e suas sub-redes iniciam ciclo de oficinas sobre os desafios da formação de técnicos de saúde durante a pandemia [1]
Como parte do plano de trabalho como Centro Colaborador da OMS para a Educação de Técnicos de Saúde, a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio [4] (EPSJV/Fiocruz) iniciou, no dia 6 de julho, o ciclo de oficinas ‘Os desafios da formação de técnicos de saúde durante a pandemia’. A iniciativa é realizada em cooperação com a Rede Internacional de Educação de Técnicos em Saúde (RETS), a Rede Ibero-Americana de Educação de Técnicos em Saúde (RIETS) e a Rede de Escolas Técnicas de Saúde da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (RETS-CPLP). O evento conta também com apoio do Centro de Relações Internacionais em Saúde [5] (Cris/Fiocruz) e da VideoSaúde Distribuidora da Fiocruz.
O propósito da iniciativa é gerar um espaço de intercâmbio, reflexão, aprendizado e formulação de propostas sobre as experiências concretas de como diferentes instituições formadoras enfrentaram esses desafios e alcançaram seus objetivos.
Na visão do coordenador de Cooperação Internacional da EPSJV, Carlos Batistella, a importância do ciclo de oficinas se justifica na emergência da pandemia de Covid-19, que trouxe desafios à humanidade. “Colocou em xeque seus modelos de desenvolvimento econômico, social e o próprio antropocentrismo. Sabidamente, seu impacto mais direto foi sentido nos sistemas de saúde, expondo as fragilidades da rede de assistência hospitalar, da vigilância epidemiológica e da atenção primária”, apontou.
Segundo ele, a expressiva demanda de profissionais para o enfrentamento da doença também passou a exigir respostas dos órgãos e instituições responsáveis pela formação em saúde. “No entanto, com a adoção das medidas recomendadas pela OMS para controle da transmissão, muitas escolas e centros formadores passaram a desenvolver suas atividades de forma remota, trazendo imensos desafios ético-políticos, pedagógicos e tecnológicos nunca antes enfrentados para sua atuação”, ressaltou Batistella, acrescentando que é nesse contexto que o trabalho em rede ganha ainda mais importância: “Os obstáculos certamente poderão ser mais facilmente superados se tentarmos aprender com a experiência de outras instituições que têm os mesmos objetivos, e que estão passando pelas mesmas dificuldades. As trocas e o compartilhamento de estratégias, propostas e dispositivos utilizados em outras realidades permitem a análise de alternativas e a construção de políticas específicas em cada país”.
Primeira oficina
Realizada no dia 6 de julho, a primeira oficina do ciclo abordou a questão das ‘práticas profissionalizantes’ que não podem ser realizadas virtualmente. A apresentação geral ficou por conta de Sebastián Tobar, do Centro de Relações Internacional em Saúde (Cris) da Fiocruz, que logo passou a fala para Anamaria Corbo, diretora da EPSJV/Fiocruz, e Hernán Sepúlveda, assessor de Recursos Humanos para a Saúde do Escritório Sub-regional para a América do Sul da Opas/OMS.
Segundo Anamaria, os trabalhadores técnicos, no âmbito da Rede, incluem todo o segmento dos trabalhadores dos sistemas nacionais de saúde, que compõem desde os níveis mais elementares de escolaridade. “Então, estamos falando, por exemplo, dos ACS [agentes comunitários de saúde], ACE [agentes de combate a endemias] e todos aqueles que possuem habilitação de técnico, em todas as suas áreas de atuação, que pode ser no nível secundário ou no nível do ensino médio (que é como chamamos aqui no Brasil) ou no nível superior universitário e não-universitário, que é a realidade de alguns outros países, e também aqueles que compõem o nível tecnológico de formação, que estaria no âmbito do nível superior”, explicou.
Na visão de Anamaria, existe certa invisibilidade dessas categorias profissionais e isso gera a necessidade de estabelecer cooperações técnicas nos âmbitos nacional e internacional no sentido de promover e difundir conhecimentos e de trocar experiências, para qualificar esses trabalhadores também na perspectiva de melhorar a qualificação do trabalho e a qualidade da atenção nos sistemas nacionais de saúde. “Essa situação, no contexto atual pandêmico, se torna ainda mais urgente. A pandemia só vai exacerbar as desigualdades que fazem parte da nossa formação social. Isso traz um desafio maior para todas as instituições que são dedicadas a fazer, pensar e executar a formação desses trabalhadores, não só no que diz respeito a como pensar a formação, no âmbito da pandemia, de trabalhadores que são absolutamente essenciais para o enfrentamento, mas também para pensar nos impactos futuros da pandemia na qualidade de vida e na situação de mortalidade das populações que são assistidas pelos sistemas nacionais de saúde”, acrescentou.
Em sua fala, Hernán compartilhou uma visão global da situação dos recursos humanos, nos estados-membro da Opas/OMS, anteriormente à pandemia da Covid-19. Segundo ele, apesar das iniciativas, houve uma falta de recursos humanos qualificados para acelerar a prestação de serviços em saúde integrais e as funções principais da saúde pública e para abordar os determinantes sociais da saúde. “Também existiam grandes desigualdades na distribuição, uma falta de coerência entre o modelo de atendimento baseado nas redes integradas de profissionais e o modelo de educação e de formação. Como nós sabemos, sempre houve um modelo baseado na hiperespecialização, nos biomédicos e nos hospitais, além de um financiamento inadequado, diferença de pagamento entre subsistemas e entre os países. Tudo isso somado a ideia de recursos humanos vistos como custo e não como investimento”, ressaltou.
A partir disso, Hernán destacou que, em 2017, todos os estados-membros da Opas/OMS aprovaram uma estratégia de recursos humanos para o acesso e cobertura universais em saúde. De acordo com ele, essa estratégia deveria ser como uma espécie de guia para o desenvolvimento das políticas e planos de RH, seguindo os princípios de direitos humanos, e com tem três grandes linhas de ação.” A primeira é fortalecer e consolidar a governança em RH; a segunda é abordar as condições e o desenvolvimento de capacidades para o amplo acesso e cobertura com igualdade e qualidade, isto é, cuidar da má distribuição e pensar em como a gente chega com os profissionais de saúde em todos os cantos do nosso país”, afirmou. E completou: “E finalmente, reorientar o setor da educação para responder as necessidades dos sistemas de saúde em processos de transformação para uma saúde universal, ou seja, perguntar a nós mesmos se estamos formando trabalhadores que os nossos sistemas requerem”. Diante disso, os estados-membros solicitaram e depois aprovaram, em 2018, um Plano regional com objetivos específicos e com indicadores para avançar de forma mais rápida nessa estratégia.
Hernán apresentou três desafios para os técnicos em saúde: o planejamento integral, o papel das equipes interprofissionais e as políticas de formação. Segundo ele, até agora, poucos países fazem um planejamento integral. Basicamente, planejam o número de médicos e especialistas, no máximo algumas outras profissões. “Mas, quando falamos de planejamento integral, temos que ver o total de profissionais de saúde, porque eles funcionam de forma sinérgica. Se mantivermos o planejamento em uma ou duas profissões, certamente, não poderemos ter uma melhor resposta em relação às necessidades e demandas em saúde. O desafio também é que nos sistemas de informação integremos todos os setores e segmentos da saúde”, apontou.
Já em relação ao papel das equipes interprofissionais, Hernán afirmou que é necessário fortalecer o primeiro nível de atendimento, a saúde básica. “No primeiro nível de atenção, a gente pode solucionar 80% das necessidades de saúde. Já vimos que os países que enfrentaram a pandemia, fortalecendo esse nível de atendimento, alcançaram melhores resultados dos que aqueles que esperaram nas etapas mais críticas”, disse, acrescentando que, justamente por isso, o papel dos técnicos em saúde é fundamental, porque está relacionado a todo trabalho de testagem, acompanhando e inserção nessas equipes. Por fim, sobre as políticas de formação, Hernán destacou a necessidade de reorientar o currículo, incluindo todos os profissionais técnicos na saúde.
Experiências em Portugal e na Argentina
“Sem nenhuma dúvida, há uma combinação de crise, desafios e oportunidades. Uma combinação que ainda não ficou clara até quando irá durar, mas que alterou os ciclos de planejamento em termos universais”, afirmou Gerardo Arturo Medina, do Serviço Nacional de Aprendizagem [6] (SENA/Colômbia), iniciando o debate. Essa parte da programação reuniu ainda a professora Ana Almeida, da Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa [7] (ESTeSL/Portugal) e Gabriel Muntaabski, do Instituto Nacional de Educação Tecnológica [8] (INET), que coordena o Programa Nacional de Formação em Enfermagem [9] do Ministério da Educação, Cultura e Ciência e Tecnologia da Argentina.
Durante as apresentações, ficou evidente o esforço e as soluções encontradas pelos países diante do contexto pandêmico, como o suporte aos estudantes por meio da concessão de bolsas, equipamentos e pacotes de acesso à internet, até ações mais específicas, como a reprogramação do calendário escolar, a adoção do ensino híbrido, com alternância de momentos presenciais e remotos, a redução do tempo de permanência de estudantes na escola, a diversificação dos campos de estágio (muitos deles impossibilitados pela prioridade na assistência à Covid-19), e a disponibilização de práticas presenciais de simulação clínica.
Ana mostrou os desafios da formação de técnicos em saúde pela ESTeSL durante a pandemia da Covid-19, realçando que é possível reorganizar os prazos das práticas para conseguir cumprir com o currículo. Segundo a professora, a ESTeSL forma, atualmente, nove licenciaturas com duração de quatro anos, sendo um de estágio, dentre elas, Ciências Biomédicas Laboratoriais, que forma profissionais nas áreas de Análises Clínicas e Saúde Pública e Anatomia Patológica, Citológica e Tanatológica. “Os estágios e práticas clínicas, que são obrigatórios, ocorrem em diversas instituições como hospitais públicos e privados, autarquias, clínicas privadas, empresas, centros de investigação, farmácias comunitárias e óticas”, contou.
Durante a pandemia, Ana salientou que o primeiro semestre do ano letivo 2019/2020 aconteceu de outubro de 2019 a janeiro de 2020 sem qualquer problema. Em fevereiro de 2020, ainda foi possível iniciar o segundo semestre, que teve que ser interrompido um mês depois. “Sendo assim, decidimos suspender os estágios em 9 de março e as aulas presenciais no dia 13. Tivemos que nos adaptar, de repente, a dar aulas a distância e disponibilizamos computadores a estudantes com dificuldades econômicas”, relembrou.
Ana contou que a maior preocupação foi em relação aos estágios e, em conversas com outras instituições do país, coordenadores dos cursos se comprometeram a aprovar e formar estudantes com 85% da carga de estágio completa. “No entanto, durante esse tempo, os estudantes tiveram que realizar exercícios e resolver casos clínicos em casa, houve um esforço por parte dos professores que acompanharam esses estudantes e os estimularam no ensino a distância”, revelou.
Sobre a organização do ano letivo 2020/2021, Ana apresentou que metade da turma começou a ir presencialmente, de forma facultativa, e a outra metade continuava remotamente, já as aulas práticas ocorriam presencialmente durante três horas numa semana e uma hora de aula assíncrona na outra semana. “A maior parte dos estágios não foi suspensa no primeiro semestre, mesmo durante o tempo que foi declarada a situação de emergência”, disse, acrescentando que, com o aumento dos casos, o segundo semestre foi oferecido de forma remota de 8 de março a 26 de abril, quando as aulas presenciais foram retomadas até o fim, em junho de 2021.
Ao longo desses dois anos, Ana relatou que houve testagem, pontualmente, dos estudantes antes do início do estágio e em toda a comunidade escolar com o regresso das aulas presenciais. “A pandemia apresentou obstáculos que, com o empenho de estudantes, professores, funcionários não docentes, orientadores de estágios e instituições parceiras, conseguimos ultrapassar, permitindo que os nossos estudantes enfrentem o mundo do trabalho de forma confiante e esperançosa”, finalizou.
Em seguida, Gabriel apresentou a experiência da Argentina na formação de técnicos de enfermagem durante a pandemia da Covid-19. Segundo ele, no dia 19 de março de 2020, todas as atividades presenciais de ensino foram suspensas no país, durando praticamente todo o ano. Em função da emergência sanitária internacional, o Ministério da Educação, através do Programa Nacional de Formação em Enfermagem (Pronafe) decidiu acompanhar as instituições de enfermagem, apoiando os seus percursos educacionais. “Isso foi feito a partir da necessidade de incluir novos enfermeiros no sistema de saúde, visto que já estavam estressados pela pandemia e sofreram com milhares de pacientes e a morte de mais de 200 enfermeiros”, afirmou.
O apoio a esses percursos educacionais, segundo Gabriel, foi feito através de dois processos: a educação virtual e as práticas profissionalizantes. De acordo com ele, o Pronafe está em 221 instituições públicas e privadas. “São mais de 47 mil alunos nessas escolas pelo país. Fizemos um acordo, em âmbito nacional, que desenvolveu um documento para a realização de práticas profissionalizantes simuladas no 3º ano em instituições de educação superior técnica formadoras de enfermagem”, contou.
O componente desse acordo nacional aconteceu através de recomendações, de um plano de trabalho e de um protocolo. “Em um processo de diálogo, chegamos à conclusão de quais eram as capacidades e competências que precisavam ser desenvolvidas através das práticas no contexto da pandemia. Assim, criamos um plano de trabalho para cada instituição para saber os espaços físicos, quantidade de docentes e discentes, os equipamentos necessários e etc. Além de um protocolo de Covid no qual todas as instituições desenvolveram as suas atividades”, observou.
Com isso, continuou Gabriel, foi feita a Resolução nº384 do Conselho Federal de Educação, que permitiu as práticas profissionalizantes simuladas presenciais. “Cada província definiu e normatizou as suas próprias resoluções e apresentou ao Pronafe um plano de trabalho de práticas”, afirmou, acrescentando que assim o Pronafe acompanha as instituições com um plano pedagógico, técnico e operacional, gerando homogeneidade entre as diversas experiências das províncias. “Em novembro de 2020, começaram, então, as práticas profissionalizantes simuladas nas salas de aula, ou virtualmente ou ainda em campo, como o trabalho em vacinação”. E em junho de 2021, 6033 estudantes se formaram em Enfermagem”, concluiu.
Sobre o Ciclo de Oficinas
As oficinas serão realizadas a cada 45 ou 60 dias, em português e espanhol, com uma duração de duas horas. A proposta é a apresentação, em cada oficina, de experiências realizadas pelos membros das redes, a fim de permitir a divulgação, reflexão e debate priorizando o intercâmbio entre os presentes.
Com base nas questões discutidas, serão definidos tópicos de interesse para as próximas oficinas. A proposta é que, como produto do ciclo de oficinas, seja elaborado e divulgado um documento resumindo as principais questões apresentadas. Tal documento, que poderá ser complementado com os vídeos que estarão disponíveis na internet, pode se constituir em uma ferramenta a ser utilizada como base para suas estratégias de formação.
Assista a primeira oficina na íntegra:
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Em português: https://youtu.be/eppqTedTLLs [10]
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Em espanhol: https://youtu.be/HB4MaHZUYgU [11]
Veja as apresentações:
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Hernán Sepúlveda [12]
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Ana Almeida [13]
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Gabriel Muntaabski [14]