O trabalho das Redes Ibero-americanas de saúde: oportunidades para a diplomacia da saúde
Durante os séculos XIX e XX, várias epidemias internacionais deram origem a Conferências Sanitárias, como a Pan American Sanitary Bureau, que estabeleceu a governança global e regional da saúde e expandiu a diplomacia da saúde como um meio de abordar problemas que transcendem as fronteiras dos países e precisam ser resolvidos por meio da cooperação de diversos atores.
A pandemia da Covid-19 destacou mais do que nunca a internacionalização dos riscos à saúde. No atual contexto de globalização de um modelo de produção e consumo, a saúde e seus determinantes transcendem as fronteiras dos países, tornando necessário o desenvolvimento de novas formas de governança global e regional. Isso é particularmente verdadeiro devido à sua influência sobre a saúde das populações e sobre os sistemas de saúde em nível nacional. Neste século, a saúde global tornou-se mais evidente do que nunca e a maior interdependência e interconectividade entre os países desafia a distinção tradicional entre as atividades do setor nacional e os esforços internacionais de saúde, e novos atores surgiram.
Nesse contexto, os países precisam implantar a Diplomacia da Saúde, entendida como uma “atividade de natureza política, que serve ao duplo propósito de melhorar a saúde e, ao mesmo tempo, manter e fortalecer as relações internacionais”, e como um “método escolhido de interação entre a saúde pública e as partes interessadas políticas para fins de representação, resolução de conflitos, melhoria dos sistemas de saúde e o direito à saúde para toda a população”, conforme definido por Kelley Lee e Richard Smith.
Compartilhamento para fortalecer os sistemas de saúde: lições de uma pandemiaResponder de forma coordenada às necessidades da população e estimular o desenvolvimento de Produção, Desenvolvimento e Inovação é fundamental para consolidar sistemas de saúde mais equitativos, justos e sustentáveis. Com esse objetivo em mente, e seguindo a experiência da pandemia de Covid-19, entre 2020 e 2023, a Rede Ministerial Ibero-Americana de Aprendizagem e Pesquisa em Saúde (RIMAIS) lançou a Conferência Virtual Ibero-Americana: Coronavírus e Saúde Pública. Seu objetivo: contribuir para o intercâmbio, a aplicação e a transferência de conhecimentos, tanto práticos quanto de políticas públicas, e fomentar a colaboração em pesquisas pioneiras e intervenções sociais. Fundada em 2005, a rede RIMAIS dedica-se ao fortalecimento dos sistemas nacionais de pesquisa em saúde, à disseminação de políticas e modelos de pesquisa em saúde e a iniciativas e programas de aprendizado em saúde pública. Seu objetivo: fortalecer as capacidades dos ministérios da saúde dos países membros no desenvolvimento de seu papel de direção e na aprendizagem e pesquisa em saúde pública, com base na socialização de informações e conhecimentos produzidos e reproduzidos por diferentes iniciativas regionais. A ideia: avançar no cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e no fortalecimento das Funções Essenciais de Saúde Pública renovadas, incorporando os direitos humanos e o direito universal à saúde, com foco na equidade em saúde. O Ministério da Saúde da Costa Rica é o presidente permanente e a Secretaria Técnica dessa rede. OUTRAS REDES: A Rede EAMI é formada por Autoridades de Medicamentos vinculadas a Ministérios da Saúde ou Instituições de Pesquisa em Saúde Pública - Entidades Governamentais dos vinte e dois países ibero-americanos. |
No âmbito do espaço ibero-americano, temos três importantes redes de saúde: a Rede Ibero-Americana de Educação de Técnicos de Saúde (RIETS), a Rede Ibero-Americana de Escolas de Saúde Pública (RIESP) e a Rede Ibero-Americana de Institutos Nacionais de Saúde (RINSI). A formação de redes é uma ferramenta importante para a diplomacia da saúde, permitindo a união de esforços em torno de desafios compartilhados pelos sistemas de saúde e pelo estado de saúde da população.
O conceito de redes tem sido usado no setor de saúde há muito tempo e com diferentes significados. Em geral, o conceito pode ser usado para se referir a situações em que é possível identificar interações ou trocas entre diferentes membros ou nós para enfrentar desafios comuns. Em geral, o termo é usado para se referir a redes de pessoas ligadas entre si, embora possam pertencer a instituições, formando assim redes institucionais, como Escolas de Treinamento de Técnicos de Saúde, Institutos Nacionais de Saúde e Escolas e Instituições de Treinamento em Saúde Pública. Mas uma característica é que as instituições que formam uma rede estão conectadas por meio de pessoas.
As redes de saúde ibero-americanas conectam pessoas pertencentes a instituições, que não são constituídas “em si mesmas”, mas como “redes para” ou “redes médias”, para que possam dar uma resposta melhor a um determinado problema de saúde ou ao sistema de saúde, promovendo a ação coletiva. Nesse sentido, permitem a interligação de diferentes atores pertencentes aos Institutos Nacionais de Saúde, às instituições formadoras de Técnicos de Saúde, às Escolas de Saúde Pública do espaço ibero-americano, que se unem voluntariamente, permitindo sua articulação e possibilitando o intercâmbio e a combinação de seus esforços, experiências e conhecimentos para alcançar objetivos ou problemas comuns, que ultrapassam as fronteiras de seus países.
Lições da pandemia de Covid-19
A pandemia da Covid-19 proporcionou uma oportunidade, no âmbito de um problema comum que afeta toda a humanidade, para o trabalho virtual e sua institucionalização progressiva, criando oportunidades para abordar problemas comuns, articulando respostas para a adoção de medidas coletivas e contribuindo para o fortalecimento das capacidades dos membros. Foi um grande catalisador do trabalho em rede em saúde no espaço ibero-americano, que trouxe novos desafios e oportunidades para seu funcionamento, permitindo a adoção dessas modalidades de trabalho virtual com potencial para a diplomacia e a cooperação em saúde.
O trabalho em rede é uma opção importante para a diplomacia e a cooperação em saúde e representa uma abordagem poderosa e flexível para fortalecer as capacidades com base nos princípios de solidariedade e igualdade. O trabalho das três redes mencionadas acima permite o aprendizado entre pares e a produção de bens públicos regionais em saúde.
Por fim, uma das principais lições aprendidas no contexto da pandemia é a necessidade de empoderar os membros das redes ibero-americanas, incentivando a participação e a interação ao compartilhar suas preocupações na busca de soluções coletivas.
Realizações das Redes Ibero-Americanas
Identificação de problemas comuns | Há necessidade de enfrentar as iniquidades e desigualdades em saúde, segurança alimentar e mudanças climáticas e o papel dos Institutos Nacionais de Saúde na Rede Ibero-Americana de Institutos Nacionais de Saúde. Além de refletir sobre a formação em saúde pública para a Atenção Primária à Saúde, bem como o fortalecimento das Escolas de Saúde Pública e Instituições de Formação. |
Critérios ou ferramentas para abordar problemas ou desafios de saúde. |
Por exemplo, a estratégia da Escola de Governo promovida pela Rede Ibero-Americana de Escolas e Instituições de Treinamento em Saúde Pública. Metodologias para a abordagem territorial das desigualdades em saúde promovidas pela RINSI. A adoção de tecnologias como a “Simulação”, que pode favorecer os processos de treinamento da força de trabalho em saúde. |
Produção de bens públicos regionais | Identificação de problemas comuns e respostas compartilhadas com respostas em que todos saem ganhando. Por exemplo, no contexto da pandemia de Covid-19, a RIETS desenvolveu coletivamente diretrizes para o cuidado com os idosos, para a higiene das mãos e para o retorno às aulas. Essas diretrizes foram desenvolvidas coletivamente e disponibilizadas a todos os membros da rede. |
Produção de informações e conhecimento | As redes priorizam questões e, por meio do desenvolvimento de webinars ou workshops, promovem a produção de conhecimento sobre desafios comuns. |
Construção de consenso | Oportunidade de construção de consensos com base nos princípios de equidade e solidariedade, colocando a saúde como um direito fundamental, como diferentes declarações e documentos políticos produzidos pelas Redes, como a Declaração de Cuernavaca da INS e a Declaração do Rio de Janeiro, no âmbito da RIETS, que enfatiza a importância da simulação clínica e propõe iniciativas que buscam incorporar a simulação nos cursos de todas as instituições de formação de técnicos de saúde, promovendo uma abordagem humanizada e intercultural. |
Viabilizar processos de planejamento estratégico | O trabalho no âmbito das Redes Ibero-Americanas de INS, Formação de Técnicos e Escolas de Saúde Pública facilita os processos de planejamento estratégico, priorizando problemas comuns e estruturando atividades para abordá-los, mobilizando as capacidades de todos os membros das redes. Os planos de trabalho das três redes são o resultado dessa estratégia que envolve a análise conjunta de problemas. |
Diplomacia da saúde global mais eficaz | Elas possibilitam a discussão de documentos de políticas que estão sendo negociados no nível da governança global da saúde: Assembleia Mundial da Saúde, na Governança Regional da Saúde: Órgãos Governantes da Organização Pan-Americana da Saúde, possibilitando instâncias de construção de posições conjuntas que podem apoiar os países em sua participação no multilateralismo. |
Fortalecimento da capacidade institucional | O trabalho em rede permite o intercâmbio entre seus membros. As diferentes capacidades resultam em uma sinergia positiva que favorece o fortalecimento institucional. Um exemplo foi, dentro da estrutura da Rede de Institutos Nacionais de Saúde, que o NIH pode desempenhar uma função prioritária, por exemplo, no monitoramento das causas das doenças. Dessa forma, trata-se de incorporar uma função nos NIH que vá além da visão pasteuriana que se concentrava nas causas das doenças, nos vírus e nas bactérias, para incorporar uma visão dos determinantes sociais e ambientais. |
Fonte: Elaboração própria a partir de análises das redes.