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Publicado em: 13/11/2014

"Saúde como um direito deve ser uma política aspiracional", declarou Theodore Marmor em evento no ISAGS

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Isags

 

O cuidado em saúde, as pesquisas nacionais cruzadas, a regulação e as reformas do setor foram os principais temas abordados durante a conferência "Os desafios dos sistemas universais de saúde no século XXI", proferida na última quarta-feira (12) por Theodore Marmor, Professor Emérito da Universidade de Yale. Marmor  veio ao Rio de Janeiro a convite do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde (ISAGS) para abrir a oficina "Fortalecer o Estado, Regular o Mercado: Os desafios dos sistemas nacionais de saúde da UNASUL".

A conferência foi apresentada em inglês com transmissão ao vivo pela internet e contou com tradução simultânea para o espanhol e o português. Os internautas participaram do debate enviando perguntas por e-mail e pelas redes sociais. Marmor iniciou sua exposição apresentando variadas abordagens sobre as pesquisas nacionais cruzadas em saúde, alertando para o perigo do "transplante ingênuo", que seria equivalente à cópia de modelos de sistemas de saúde exitosos em outros países. Por outro lado, chamou atenção também para "falácia intelectual" que poderia ser explicada pela negação do aprendizado que pode ser obtido através da troca de experiências.

Saúde Pública x Seguro privado

O acadêmico pontuou as diferenças fundamentais do seguro privado de saúde com os princípios da saúde pública, argumentando que na lógica do setor privado há uma seleção na base através da separação entre aqueles que são saudáveis e os que não são. Sobre os valores da saúde pública , destacou  o compromisso de não deve haver barreiras financeiras, de forma que o cuidado à saúde seja acessível à toda população. 

Ao falar sobre o setor privado, Marmor sinalizou o crescimento de uma concepção pró-mercado no contexto das discussões políticas, chamando atenção para a abordagem que vê a saúde como um produto. O conferencista ironizou: "Na visão neoliberal, se o pão fosse gratuito não teria pão na padaria. Eles falam sobre pessoas enfermas e feridas como gente que está indo comprar pão".

Obamacare

Ted Marmor apresentou brevemente o Obamacare- lei de cuidados em saúde norte-americana que entrou em vigor este ano- explorando suas complexidades e aspectos críticos. Marmor afirmou que a iniciativa foi desenvolvida por economistas conservadores e que pode ser vista como uma "colcha de retalhos".

De acordo com Marmor, o novo modelo consiste em cinco categorias: medicina socializada para os veteranos de guerra, seguro social de saúde americano para idosos (Medicare), pacote de benefícios para pessoas de baixa renda (Medicaid), seguro privado de saúde ligado ao trabalho e o programa de emergência, dedicado a vítimas de acidente e outras pessoas com risco de vida.

Direito à saúde, regulação e financiamento

Em entrevista ao ISAGS, Marmor afirmou que "a saúde como um direito de ser uma política aspiracional" e que os esforços para aumentar a cobertura da saúde refletem esse pensamento.  O acadêmico observou, contudo, que "há uma tensão entre os múltiplos programas para ampliar a cobertura e o compromisso com as reivindicações de igualdade de acesso e cidadania".

Sobre os aspectos da regulação do mercado, o professor afirmou que as autoridades públicas devem impor restrições nos preços e definir regras claras sobre condutas que devem ser evitadas. Ao falar sobre o financiamento, declarou: "Se um programa não é sustentável a longo prazo não deve ser sustentado".

A conferência de Marmor foi o ponto de partida para a oficina “Fortalecer o Estado, Regular o Mercado: Desafios dos Sistemas Nacionais de Saúde da UNASUL”, que acontece no ISAGS até o dia 14 de novembro com a participação de representantes dos Ministérios de Saúde das 12 nações sul-americanas. Em uma das atividades, serão apresentados os modelos regulatórios dos mercados privados de saúde dos países do Bloco, com base em uma guia elaborada pelo Instituto.

 “Nasci em Nova York e fui criado na Califórnia. Tenho 75 anos e por 40 fui professor de ciências políticas em Yale. Estive à frente de cursos sobre seguro social, assistência médica, aposentadoria. Meu foco sempre foi a América do Norte, comparada a experiências da Europa Ocidental”

 Conte algo que não sei.

 O Canadá gasta 10% do seu PIB em assistência médica e, com isso, não tem gasto algum adicional com pessoas doentes. Isso num sistema que, em 1970, gastava o mesmo que os Estados Unidos. Já em 2010, os Estados Unidos, sem seguro nacional de saúde, gastavam 18% do PIB nisso. Então, a ideia de que um seguro nacional de saúde americano é inacessível financeiramente não é verdade.

 Qual a cara do Estado de bem-estar americano?

É muito importante dizer que o termo bem-estar nos Estados Unidos não tem associações positivas como tem o bem-estar social e o Estado de bem-estar social nas discussões com influência europeia. Não é conforto, é assistência social. É interessante, os nossos programas são muito similares: as aposentadorias, o seguro social por deficiência, os seguros médicos. Foi tudo feito segundo a concepção do seguro social, de pagar e tirar o dinheiro apenas se precisar, além de envolver contribuições de pares em solidariedade. Mas, apesar disso, a palavra solidariedade não é muito comum nos Estados Unidos.

A noção moderna de bem-estar está associada à ideia de universalismo. O que exatamente significa o universalismo hoje?

O universalismo tem dois significados. Um é quando todos numa determinada categoria têm um benefício. Num outro sentido, o universalismo significa que todos numa mesma categoria têm o mesmo benefício. São duas coisas muito diferentes. O seguro de saúde universal pode abrigar vários diferentes programas, mas eles precisam ter a mesma cobertura, precisam ter regras comuns.

 O Brasil tem algo a ensinar para os EUA quando se trata de políticas públicas?

Nos últimos dez anos, houve um movimento social impressionante para uma diminuição da desigualdade. Os americanos ficariam surpresos em aprender. Houve apoio político para que o governo mudasse a distribuição de renda de forma muito substancial.

 É a sua primeira vez no Brasil? O que acha do Rio atual?

Estive no Brasil no início dos anos 90 acompanhando empreendedores de um programa que procura soluções para problemas sociais. Desta vez, tive a impressão de que há uma atmosfera de medo em algumas situações. Estive no Leblon à noite e fiquei impressionado com as muitas grades cercando os prédios. Mas há outra coisa durante o dia que é uma forte vida social sem essa atmosfera de agressividade, e as pessoas parecem estar mais relaxadas.

Em que medida a discussão sobre bem-estar social tem a ver com políticas democráticas?

Uma das razões pelas quais a assistência médica nos Estados Unidos é vista como tão instável é que envolve a ideia de nos reunir todos juntos, e não nos tratar de forma diferente, de acordo com os níveis sociais. Então, a discussão tem lugar em um contexto de políticas democráticas. Isso é importante.

No Brasil, há uma sentença popular que diz que não se deve dar o peixe, mas ensinar a pescar. O que acha disso?

Esse é um clichê que ouvi por 40 anos. É uma abordagem simplória quando se trata de pessoas pobres desempregadas, prejudicadas, doentes, em situação de caos social e outras circunstâncias do tipo.