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Publicado em: 09/09/2021

Trabalho e formação docente foi o tema da segunda oficina do ciclo ‘Os desafios da formação de técnicos de saúde durante a pandemia’

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Julia Neves - EPSJV/Fiocruz

Como parte do plano de trabalho como Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a Educação de Técnicos de Saúde, a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) realizou, no dia 31 de agosto, a segunda oficina do ciclo ‘Os desafios da formação de técnicos de saúde durante a pandemia’, com o tema ‘trabalho e formação docente’. A iniciativa é realizada em cooperação com a Rede Internacional de Educação de Técnicos em Saúde (RETS), a Rede Ibero-Americana de Educação de Técnicos em Saúde (RIETS) e a Rede de Escolas Técnicas de Saúde da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (RETS-CPLP). O evento conta também com apoio do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz) e da VideoSaúde Distribuidora da Fiocruz.

O propósito da iniciativa é gerar um espaço de intercâmbio, reflexão, aprendizado e formulação de propostas a partir de experiências concretas de instituições integrantes das redes no enfrentamento desses desafios. Participaram como debatedores: Wolfang Alberto Latorre Martínez, da Escola Nacional de Instrutores ‘Rodolfo Martínez Tono’, do Serviço Nacional de Aprendizagem (ENI/SENA - Colômbia); Mariana Lima Nogueira, da EPSJV/Fiocruz; e Patricia Manzoni, diretora da Escola Universitária de Tecnologia Médica da Universidade da República do Uruguai (EUTM/Udelar- Uruguai). O debate foi mediado por Sebastián Tobar, pesquisador do Cris/Fiocruz. 

Na visão do coordenador de Cooperação Internacional da EPSJV, Carlos Batistella, desafiados em suas formas de atuação, os docentes precisaram reformular suas práticas, passando a interagir com os estudantes por meio de correios eletrônicos, aplicativos de mensagens, plataformas de teleconferência e ambientes virtuais de aprendizagem. “Muitos professores viram-se despreparados para lidar com os novos dispositivos e as questões pedagógicas suscitadas pelo contexto da pandemia”, ressaltou. E acrescentou: “Em tempos de pandemia, mais do que nunca, a saúde das populações depende do fortalecimento dos sistemas nacionais de saúde e das nossas redes. Sigamos juntos”.

Para Carlos Arosquipa, consultor do Programa Sub-regional de Cooperação para América do Sul da Opas/OMS, a RETS e suas sub-redes desenvolvem um trabalho muito importante que, nesse contexto de pandemia, é ainda mais relevante. “A OMS calculou que vamos precisar, no médio prazo, de 451 mil profissionais a mais para conseguir vacinar toda a população mundial contra a Covid-19. Fica claro que o profissional de enfermagem não vai ser suficiente para concluir esse desafio e vamos recorrer a toda capacidade do sistema de saúde para formar técnicos e profissionais que ajudem nesse grande trabalho. Sendo assim, o trabalho das escolas de formação de técnicos ganhará uma relevância ainda maior”.

Experiências vividas no Uruguai, na Colômbia e no Brasil

Patricia Manzoni, que apresentou a experiência da EUTM/Udelar, mostrou os desafios que o ensino virtual trouxe para a formação docente. Segundo ela, a universidade está presente na maior parte do país e, durante a pandemia, disponibilizou ao governo todo conhecimento, cientistas e instalações. “Inclusive, integramos um grupo científico que promovia recomendações nas áreas da saúde e da ciência para o governo”, contou.

Dentre os desafios, Patricia citou a necessidade de replanejar os cursos, principalmente os da área da saúde que têm uma grande parte prática, a criação de repositórios de aulas virtuais, ampliação das salas virtuais e também a otimização dos recursos docentes, na qual, um mesmo professor poderia dar aula para turmas de diferentes unidades. “Tivemos que massificar as plataformas digitais e orientar os docentes para reprogramação dos cursos”, afirmou.

Atualmente, continuou Patricia, a universidade segue trabalhando e refletindo diante desse novo cenário. Sobre aprendizados, ela ressaltou a possibilidade de utilizar ferramentas virtuais para os primeiros anos dos cursos que são, basicamente, teóricos. “E depois passar para uma modalidade híbrida no ensino. Estamos ainda pensando em como adaptar as normas e recomendações à faculdade, mas sem a menor dúvida, a questão presencial será modificada, porque durante muito tempo, a presença será limitada”, concluiu.

Na visão de Wolfang, os programas de formação, principalmente os da saúde, não foram pensados para o virtual e sim para o presencial. Dessa forma, teve-se que pensar em novas formas de avaliação: “Na medida em que há menos prática, os eventos adversos na prestação de serviços podem aumentar". E acrescentou: “Essas novidades afetaram o emocional de nossos alunos. Começamos a conjugar o trabalho, a casa e o estudo. Isso gerou conflitos pessoais e emocionais. Não estávamos preparados para essa nova realidade".

Wolfang trouxe ainda dados da educação formal no país. Em outubro de 2020, segundo ele, de nove milhões de inscritos, cerca de 100 mil crianças deixaram de estudar por conta da pandemia e mais de cinco mil perderam o ano em escolas públicas e mais de 500 nas escolas privadas. “Enquanto Sena, 35 mil dos mais de 130 mil estudantes ficaram sem contratos de aprendizado pelas dificuldades financeiras das empresas que os patrocinam. Foi um exemplo da desvalorização do ensino”.

Para superar as diversidades, Wolfang contou que foi preciso fortalecer a comunicação, articular a colaboração estratégica com o setor produtivo, acompanhar e motivar a adaptação com os limites da conectividade, fomentar a empatia entre instrutores e aprendizes, diminuir as tensões pelo isolamento e pelo medo causado pela Covid-19 e incentivar o trabalho interdisciplinar e colaborativo. “Além disso, realizamos seminários para familiarizar e aumentar as competências digitais de alunos e instrutores. Precisamos repensar o trabalho no mundo pandêmico, porque a pandemia não acabou e pode ser que tenhamos outras”, defendeu.

Por fim, Mariana afirmou que, de fato, a pandemia impõe inúmeros desafios e condições difíceis de trabalhar e de seguir com o processo de ensino-aprendizagem dialógico. “Como manter a comunicação atenciosa, dialógica e a escuta a distância?”, questionou, ressaltando que há limites estruturais colocados pelas condições sociais e econômicas da maior parte dos técnicos em saúde no Brasil e pela crise sanitária. Diante desse contexto, a professora-pesquisadora relatou a experiência do Curso Técnico em Agentes Comunitários de Saúde (CTACS), que a EPSJV oferece há mais de dez anos.

“Nossas alunas são trabalhadoras, mulheres, mães, avós, pretas e pardas, que sustentam as suas famílias com menos de dois salários-mínimos por mês. E é necessário o reconhecimento das determinações e opressões de classe, raça e gênero que constituem a experiência de trabalho das ACS em um país periférico, capitalista dependente, marcado pelo colonialismo e por três séculos de escravidão”, apontou.

Com a suspensão das atividades presenciais, Mariana contou que o curso ficou suspenso de março a julho de 2020. Nessa época, foram realizados diversos encontros virtuais com docentes e alunas para discutir as necessidades de adaptação do currículo e condições dessas alunas para acesso às aulas on-line.

Em julho, a EPSJV passou a oferecer aulas remotas e atividades suplementares. Além disso, as reuniões entre os professores aconteceram com maior regularidade diante da identificação de necessidades de estrutura e compartilhamento de propostas didáticas e de pesquisa e elaboração de conteúdo. “Fizemos reuniões com as alunas trabalhadoras para pensar quais eram as necessidades imediatas em relação ao trabalho que desenvolvem nos serviços de saúde e à sua vida enquanto trabalhadoras, estudantes e mulheres. Organizamos um grupo de Whatsapp para comunicação com o grupo de alunas e levantamos informações sobre infraestrutura tecnológica dos alunos; sobre os impactos da pandemia em sua saúde emocional e sobre a experiência do ensino remoto”, citou.

Mariana ressaltou ainda que foi criado um espaço específico no site da EPSJV, com materiais direcionados ao trabalho em saúde no momento da pandemia. “Nós, professores, tivemos que nos redobrar para reorganizar o currículo, dar aula, coordenar cursos, atender as demandas emocionais das estudantes e produzir guias, textos e pesquisas para subsidiar políticas públicas no atendimento à população no SUS”, analisou, citando a pesquisa “Monitoramento da saúde e contribuições ao trabalho e à formação dos ACS em tempos de Covid-19”.

Entendendo a realidade das alunas, Mariana relatou um agravamento da saúde mental dos estudantes, já que cerca 90% da turma vivenciou a perda de conhecidos, parentes ou colegas de trabalho por Covid-19. “Diante disso, enquanto coordenação, produzimos uma pesquisa de redes de apoio psicossocial no SUS para as educandas e mantemos uma escuta permanente. Enquanto professores, produzimos conteúdos de vídeos e áudios sobre temas relevantes para a prática dos ACS e para saúde mental dos trabalhadores, como cursos de autocuidado e fitoterapia”, disse.

Em relação à conectividade, 62% das estudantes acessavam a internet exclusivamente pelo celular. “A EPSJV, juntamente com a Fiocruz, ofereceu tablets aos alunos e docentes. Sem isso, não seria possível a continuação do curso, contou. “Não podemos naturalizar o ensino remoto na saúde. Temos que compreendê-lo como um arranjo necessário neste período de pandemia enquanto não há universalização das vacinas e contenção da pandemia”, concluiu.

Sobre o Ciclo de oficinas

Diante da suspensão das atividades presenciais com a pandemia da Covid-19, as instituições formadoras passaram a viver o dilema de reinventar o cotidiano escolar num curto prazo de tempo e em condições completamente adversas para continuar a realizar sua missão junto aos estudantes.

Pensando nisso, a EPSJV/Fiocruz lançou o Ciclo de oficinas 'Os desafios da formação de técnicos de saúde durante a pandemia’, cuja primeira edição foi realizada no dia 6 de julho e abordou a questão das ‘práticas profissionalizantes’ que não podem ser realizadas virtualmente.

As oficinas estão sendo realizadas a cada 45 ou 60 dias, em português e espanhol, com uma duração de duas horas. A proposta é a apresentação, em cada oficina, de experiências realizadas pelos membros das redes, a fim de permitir a divulgação, reflexão e debate priorizando o intercâmbio entre os presentes.

Com base nas questões discutidas, serão definidos tópicos de interesse para as próximas oficinas. A proposta é que, como produto do ciclo de oficinas, seja elaborado e divulgado um documento resumindo as principais questões apresentadas. Tal documento, que poderá ser complementado com os vídeos que estarão disponíveis na internet, pode se constituir em uma ferramenta a ser utilizada como base para suas estratégias de formação.

Vídeos do evento:

Apresentações: