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Publicado em: 03/06/2015

Vídeos no ar! Com mais de 10 países participantes, RETS inaugura série de Seminários Virtuais

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"O objetivo hoje é fortalecer as Redes Estruturantes e, assim, os sistemas de saúde dos países parceiros que reforcem o papel dos trabalhadores na construção dos sistemas universais voltados para a atenção primária. Além disso, buscamos levar um pouco da experiência do governo brasileiro e dessa instituição na formação e gestão em saúde". Foi com essas palavras que o diretor da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Paulo César de Castro Ribeiro, abriu o 1º Seminário Virtual da RETS sobre a "Perspectiva intercultural na formação de Técnicos em Saúde", realizado no dia 20 de maio, na EPSJV, atual Secretaria Executiva da Rede. O Fórum de debate desse Seminário encontra-se aberto (clique aqui).

Com cerca de 130 inscritos — profissionais da saúde em sua maioria — em mais de 10 países, o evento deu início a uma série de seminários que serão realizados ao longo do ano. A mesa de abertura contou ainda com o Coordenador do Centro de Relações Internacionais da Fiocruz, Paulo Buss, e a Vice-Presidente de Ensino, Informação e Comunicação, Nísia Trindade.

O diretor da EPSJV agradeceu à Vice-Presidência de Ensino, Informação e Comunicação da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que cedeu as janelas virtuais que permitiram a realização do evento e aproveitou para reiterar a possibilidade de transmissão de mais seminários com o apoio da Presidência da Fiocruz. Paulo César agradeceu ainda aos parceiros dessa iniciativa ­ — a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), o Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde (Isags), a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e a Fiocruz.

Por sua vez, Paulo Buss considerou extremamente importante o trabalho em rede: “Elas procuram ajudar instituições através do que a gente chama de cooperação estruturante. São elas que auxiliam, além do próprio Ministério da Saúde e de outras estruturas dentro dos governos, na criação de sustentação ao processo de formação de recursos humanos, além da geração de evidencias para qualificar esses profissionais”.

Buss ainda destacou o sucesso da RETS que, para ele, é motivo de orgulho. “É entusiasmante ver como o movimento na RETS está vivo e cada vez mais adquirindo relevância dentro da capacitação dos profissionais de saúde e da construção política dos nossos sistemas de saúde. Acho importante que não esqueçamos a solidariedade entre nossos países e nessas escolas, porque é nessa riqueza de intercâmbio, na parceria do aprendizado e na difusão de boas experiências que reside a riqueza das redes”, afirmou Buss, que ainda completou sua fala com a relevância do trabalhador técnico. “No Brasil e em muitos países das Américas e da África, o cerne repousa sobre os técnicos. São eles que estão mais perto da população, presentes em todas as dimensões dos sistemas de saúde. Portanto, é neles, bem preparados e com boa formação política, ideológica e técnica, que repousa grande parte do sucesso das políticas de saúde.”

Representando o Presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, Nísia também reiterou o papel das redes que, segundo ela, são um espaço importante de troca de experiência e de formulação de políticas baseadas no conceito de cooperação estruturante. Para a Vice-Presidente, a condição fundamental para realizar com qualidade o trabalho de uma rede, principalmente no âmbito internacional, é aperfeiçoar os mecanismos de comunicação à distância.

“Esse trabalho é um compromisso nosso. Sabemos que temos de avançar muito, e creio que esse é um tema fundamental para todas as escolas que compõem essa importante rede de formação, de troca e de discussão de diretrizes”, disse Nísia.

Ao final da mesa de abertura, a Coordenadora da Cooperação Internacional da EPSJV, Anakeila Stauffer, convidou a pesquisadora e professora Ana Lúcia de Moura Pontes para iniciar sua palestra.

Interculturalidade na formação técnica em saúde

Com a maior parte das reflexões formuladas a partir de vivências de trabalho, de estudo e de militância na área de saúde indígena, a professora e pesquisadora Ana Lúcia iniciou o seminário destacando a importância do debate acerca do emblemático tema.

“No Brasil, os povos indígenas correspondem a 0,4% da população, mas contribuem significantemente com a diversidade sociocultural da nossa sociedade, possuímos 274 línguas e 305 etnias, de acordo com Censo de 2010”, disse a pesquisadora, que aproveitou para traçar um paralelo entre os termos “interculturalidade” e “intertextualidade”: “Quando faço essa pequena digressão, quero propor que o exercício da interculturalidade é também um exercício de intertextualidade, de nossa capacidade de reconhecer, buscar e aprofundar os discursos que ecoam nas relações entre diferentes.”

Quais seriam as condições para ocorrer a interculturalidade? Como interpretar os discursos subjacentes nessa relação intercultural em saúde? Será que conhecemos suficientemente as formas de organização sociocultural das pessoas que atendemos? A incorporação de um morador indígena nas equipes de saúde, por exemplo, garante a interculturalidade das ações de saúde nos serviços? Essas foram algumas das questões levantadas pela pesquisadora ao longo de sua fala.

Para Ana Lúcia, se analisarmos as dimensões nos sistemas de saúde no Brasil e em outros países, e nos subsistemas de saúde indígenas, veremos que a interculturalidade em saúde ainda é um grande desafio. Segundo a pesquisadora, é nesse ponto que está a importância da formação técnica e sua pontencialidade na interculturalidade em saúde. “Estamos fazendo uma análise critica sobre o campo da saúde, e identificamos que as práticas e conhecimentos locais e tradicionais, se encontram em lugar periférico e desvalorizado. Na dinâmica, rotina e fluxos dos serviços de saúde existe pouca flexibilidade para inclusão de diferentes práticas e conhecimentos de saúde. Assim, a interculturalidade deve ser ativamente construída, e identifico que esse espaço pode ser na formação técnica. Se acredito que interculturalidade tem relação com nossa capacidade de entender os discursos que compõe a fala e ação do outro, preciso ativamente me interessar e me apropriar do outro”, completou Ana.

Para exemplificar, a pesquisadora usou sua própria experiência de trabalho na formação técnica no contexto intercultural. Nos últimos sete anos, Ana esteve envolvida na formação profissional de 189 agentes indígenas de saúde contratados pelo subsistema de saúde indígena na região do Alto Rio Negro, noroeste da Amazônia brasileira, fronteira do Brasil com Colômbia e Venezuela. Essa região, conta com um importante movimento indígena que organiza as associações em uma federação, a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN). As lideranças da região têm ocupado espaços de representação nas instâncias controle social e gestão da saúde e da educação.

Segundo Ana, a partir de uma avaliação critica da situação dos Agentes Indígenas de Saúde, principalmente de sua desvalorização e perda de autonomia nas equipes de saúde, as lideranças indígenas demandaram dos gestores locais a elevação da escolaridade e profissionalização em saúde dos AIS.

A pesquisadora destacou uma estratégia fundamental para a formação dos profissionais: “Incentivamos a pesquisa de informações junto com as lideranças e conhecedores locais, como parte do conjunto de conhecimentos que os agentes precisam saber, inclusive para repassar para os profissionais de saúde não indígenas. Não tínhamos a pretensão de ensinar os conhecimentos tradicionais, mas buscamos fazer com que ele fosse revalorizado, como uma forma de saber igualmente válido ao biomédico, e relativizamos o conhecimento e categorias biomédicas”.

No processo de educação técnica, Ana destaca a importância da cooperação internacional. “Acredito que as experiências de escolas indígenas, como a Tekove Katu na Bolívia, é que nos trarão novos aprendizados", afirmou.

Apesar das dificuldades encontradas como a falta de professores com disponibilidade de lecionar nas comunidades e de material didático apropriado, a experiência foi exitosa: “Ao final do curso, a capacidade de eles discutirem as ações de saúde de acordo com os interesses e contextos das comunidades foi muito nítida”.

Após responder perguntas do público presente e do chat virtual, Ana Lúcia fez suas considerações finais: “Mesmo que a língua seja a mesma e de compartilharmos histórias em comum, nunca devemos nos esquecer das especificidades de cada região. Por vezes, tendemos a minimizar o que é diferente para facilitar os processos, mas os tempos não devem ser apressados. Por outro lado, realidades distantes podem contribuir com estratégias para nossa realidade, ou nos fazerem refletir de forma diferente sobre o que nos parece tão familiar e cotidiano. A interculturalidade tem de ser um espaço de diálogo de múltiplas vias, e nos quais os processos de transformação (dos indivíduos, modos de vida, conhecimentos e práticas) sejam bem vindos. A cultura está em constante processo de mudança e a interculturalidade faz parte desse movimento”.

O próximo Seminário Virtual da RETS está previsto para 9 de julho, com o tema papel do profissional de saúde nas fronteiras. O terceiro deverá ser realizado em setembro, sobre a relação entre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e a formação técnica voltada para Atenção Primária em Saúde.

Para participar do Fórum de Debates clique aqui.

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