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Publicado em: 03/11/2021

Oficina estimula discussão sobre novos perfis profissionais e atribuições dos técnicos em saúde para o trabalho na APS

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Julia Neves - EPSJV/Fiocruz

Como parte do plano de trabalho como Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a Educação de Técnicos de Saúde, a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) realizou, no dia 26 de outubro, a terceira oficina do ciclo ‘Os desafios da formação de técnicos de saúde durante a pandemia’. Dessa vez, o tema foi os novos perfis profissionais e atribuições dos técnicos em saúde para o trabalho na Atenção Primária em Saúde. A iniciativa é realizada em cooperação com a Rede Internacional de Educação de Técnicos em Saúde (RETS), a Rede Ibero-Americana de Educação de Técnicos em Saúde (RIETS) e a Rede de Escolas Técnicas de Saúde da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (RETS-CPLP). O evento conta também com apoio do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz) e da VideoSaúde Distribuidora da Fiocruz. Participaram como debatedores a médica, sanitarista e ex-ministra da saúde da Costa Rica, Maria del Rocio Saenz Madrigal; e o professor-pesquisador da EPSJV Daniel Groisman, especialista na formação de trabalhadores para o cuidado da pessoa idosa e políticas públicas para o envelhecimento. A abertura do encontro foi feita por José Francisco García Gutierrez, assessor regional de Recursos Humanos em Saúde da Opas/OMS. A apresentação da oficina esteve a cargo de Sebastián Tobar (Cris/Fiocruz).

Para o coordenador de Cooperação Internacional da EPSJV, Carlos Batistella, o trabalho de técnicos em saúde, considerado estratégico para os sistemas nacionais de saúde, requer o constante investimento em políticas de profissionalização e de educação permanente para qualificar sua atuação junto aos serviços e à população. “Nos últimos anos, novos perfis de formação e atribuições desses trabalhadores têm sido requeridos, seja em função de mudanças nas políticas de APS, por conta da transição nos padrões demográficos e epidemiológicos, seja pelas transformações nas formas de pensar o cuidado em saúde nas sociedades contemporâneas”, destacou.

De acordo com Batistella, o aumento na expectativa de vida e o envelhecimento das populações foi acompanhado por mudanças significativas nas formas de acolhimento dos idosos pelas famílias, representando um desafio para os sistemas de saúde. “Partindo do reconhecimento de direitos e da necessidade de mudanças nas práticas de saúde, a articulação de esforços institucionais, governamentais e da sociedade civil permitiu a emergência de novos perfis de trabalhadores voltados ao cuidado de idosos, portadores de doenças crônicas e de incapacidades, como exemplo, os cuidadores de idosos no Brasil e os assistentes especializados em cuidados especiais, na Argentina”, apontou.

Por outro lado, ele ressaltou que a expansão da formação interprofissional e do trabalho em equipe multiprofissional, bem como o tema da Interculturalidade, também são fatores importantes de mudanças nos perfis existentes. “Somado a esse quadro, o advento da pandemia de Covid-19 exigiu dos serviços de saúde a reorganização de diversos processos de trabalho. Mudanças nas rotinas e nas linhas de cuidado prioritárias, fluxos de atendimento, vigilância de contatos, entre outras medidas, se fizeram presentes em todos os países. Ainda em curso, essa reconfiguração indica o surgimento de novos papéis e responsabilidades que passam a incidir sobre os perfis de formação de técnicos em saúde”, elucidou.

Para José Francisco García Gutierrez, a pandemia da Covid-19 recrudesceu situações que já existiam. Com a morte de mais de cem mil profissionais de saúde ao longo da pandemia, é preciso, segundo ele, garantir as condições de trabalho dos profissionais da saúde e continuar apoiando o seu desenvolvimento em habilidades e competências. “Ainda existem muitos países nos quais a vacina contra a Covid-19 e os equipamentos de proteção individual não são uma prioridade para os profissionais da saúde por parte dos governos”, lamentou.

Nesse cenário, Gutierrez acredita que os grandes saltos que precisam ser realizados nos sistemas de saúde, na próxima década, se baseiam em quatro pontos. O primeiro, segundo ele, é na necessidade de concentrar os modelos de atenção baseados na APS, o segundo é no investimento em recursos humanos e em estrutura, o terceiro, na feminização da força de trabalho da saúde, e por último, no discurso dos Determinantes Sociais da Saúde que continuam presentes. “Nesse sentido, para avançar na Atenção Primária, é preciso aumentar as competências dos níveis de governo, com grande compromisso político e financiamento sustentável, dando apoio à infraestrutura e recursos humanos”, apontou.

Com a pandemia, a APS saiu menos fortalecida, garantiu o assessor da Opas/OMS. “A metade da população mundial continua sem acesso a serviços básicos e essenciais de saúde, quando todos nós sabemos que de 80% a 90% das necessidades de saúde ao longo da vida poderiam ser cobertos através de uma APS fortalecida e resolutiva”, explicou.

Experiência da Costa Rica

Maria del Rocio Saenz Madrigal apresentou como é o atendimento primário dentro do sistema de saúde da Costa Rica e quais as experiências e desafios enfrentados. Segundo ela, o país, que tem apenas cinco milhões de habilitantes, possui um dos mais altos indicadores de expectativa de vida, baixa mortalidade infantil e os gastos de saúde em relação ao Produto Interno Bruto são de 9,3%. “É importante mencionar que temos um sistema de saúde baseado na cobertura universal e no modelo de seguridade social”, contou. E acrescentou: “Atingir uma cobertura universal não é uma questão de apenas um ano e sim uma luta de 75 anos. Passamos de uma cobertura de 3,6% a 95%, com dados de 2015. Os últimos dados, de 2018, mostram 92%. Não aumentamos, mas também não caímos abaixo de 90%. Isso está relacionado à nossa forma de financiamento, que se baseia no emprego, nas contribuições dos trabalhadores, dos empregadores e do Estado."
Maria mencionou que, no primeiro nível de atenção, o país possui 104 clínicas ambulatoriais e 1042 equipes básicas multiprofissional, constituídas por um médico, um auxiliar de enfermagem, um técnico de assistente em atendimento primário e um assistente de redes, que cuida dos registros em saúde. “O atendimento primário é uma estratégia com uma porta de entrada ao sistema. Para que tudo isso funcione é necessário que exista um trabalho em rede. Essas equipes básicas recebem supervisão e capacitação de equipes de apoio para os hospitais regionais e nacionais”, explicou.

No caso do assistente técnico em atendimento primário, Maria ressaltou que eles devem ter concluído o ensino médio, precisam ter uma formação de seis meses e, ao final do curso, recebem um certificado de conclusão, que é emitido pelo Centro de Capacitação e Estratégia da Caixa Costarriquenha de Serviço Social. “Anteriormente, eles eram formados pelo próprio Ministério da Saúde, mas, após uma reforma, essa função passou para a Caixa”, disse.

Além disso, continuou, esse assistente técnico trabalha em diversos cenários como comunitários, educativos, domiciliar e laboral. “Nas visitas domiciliares, por exemplo, a ênfase é na promoção, prevenção e assistência em saúde. Eles obtêm dados sobre as condições de moradia e informações sobre os membros da família, constituindo dados sobre a situação de saúde da família e da comunidade. É uma abordagem integral”, contou, explicando que essas informações alimentam um sistema de informação que irá colaborar com os dados sociais, auxílios e na tomada de decisão para novas políticas públicas.

Experiência do Brasil 

Daniel Groisman iniciou sua fala contextualizando o cenário brasileiro. Ele apontou que, no país, 72% das pessoas que morreram na pandemia eram idosos. Além disso, o país passou a sofrer ainda mais com as desigualdades de gênero, raça, classes sociais e geracionais, que foram agravadas e agudizadas com a Covid-19. “Historicamente, o Brasil e América Latina têm uma baixa participação através das políticas públicas na questão dos cuidados".

Nesse cenário, existem alguns desafios para o pós-pandemia, segundo Daniel, como os efeitos da pandemia na saúde da população, em especial, nos idosos; e como a APS deve se estruturar para lidar com essa questão. “Para além da mortalidade, temos uma série de efeitos naquelas pessoas que sobreviveram, sejam relacionados à saúde física ou mental”, afirmou.

Historicamente, de acordo com o professor-pesquisador, o Brasil tem um modelo materno-infantil que marcou a implantação da APS. “Embora a sociedade venha envelhecendo, não necessariamente as redes de atenção à saúde vêm acompanhando essa modificação na demanda. Elas trabalham na lógica materno-infantil, preferencialmente”, apontou, acrescentando mais desafios: Como reduzir as desigualdades de gênero que permeiam o trabalho de cuidados? Porque quem cuida são basicamente mulheres e, se isso está depositado sobre elas, é claramente uma situação que produz inequidade na sociedade”.

Daniel apresentou também alguns resultados da pesquisa ‘Cuida-Covid: pesquisa nacional sobre as pessoas cuidadoras de idosos na pandemia de Covid-19', coordenada por ele e Dalia Romero, do Instituto de Informação e Comunicação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz). A pesquisa faz parte do projeto Cuidando de quem cuida: educação continuada e avaliação das condições de trabalho e saúde de cuidadores de pessoas idosas em tempos de Covid-19, aprovado, em maio de 2020, no edital Ideias e Produtos Inovadores – Covid-19 – Encomendas Estratégicas, do Programa Fiocruz de Fomento à Inovação (Inova Fiocruz).

Em relação às cuidadoras familiares, 91,7% eram do gênero feminino e uma em cada três não recebia nenhum tipo de ajuda para o trabalho do cuidado. “Outro ponto preocupante foi a idade avançada das pessoas que cuidam dos seus parentes idosos. Uma em cada cinco também é uma pessoa idosa. São idosos cuidando de idosos”, alertou.

O tempo e o esforço dedicados aos cuidados aumentaram. Dessa forma, Daniel ressaltou que os dados indicam, mesmo que de forma indireta, os efeitos da pandemia para a população idosa. “Se as pessoas cuidadoras precisam de mais esforço para cuidar é porque a população idosa precisa de mais cuidados. Isso também indica a ausência de políticas públicas de cuidado, no sentido de que essas pessoas estão sobrecarregadas porque nossas redes de saúde não foram capazes de auxiliar essas pessoas”, lamentou.

Já em relação às cuidadoras remuneradas, Daniel apontou que uma em cada três trabalha com a carteira assinada e 30% tem algum problema crônico de coluna: “Ou seja, a maioria trabalha na informalidade e sem proteção trabalhista. Além do mais, os problemas crônicos podem tornar uma pessoa cuidadora a necessitar de cuidados’.

Sobre alguns caminhos para a formação na APS, Daniel concluiu que é preciso desnaturalizar o cuidado, profissionalizando-o, e qualificar profissionais para realizarem ações de apoio, orientação, acolhimento e treinamento para as pessoas cuidadoras.

Sobre o Ciclo de Oficinas

O propósito da iniciativa é gerar um espaço de intercâmbio, reflexão, aprendizado e formulação de propostas com base em experiências concretas de como diferentes instituições formadoras enfrentaram esses desafios e alcançaram seus objetivos. A primeira edição do ciclo aconteceu em 6 de julho e abordou a questão das práticas profissionalizantes, já a segunda, no dia 31 de agosto, tratou do trabalho e formação docente.

As oficinas estão sendo realizadas a cada 45 ou 60 dias, em português e espanhol, com duração de duas horas. A proposta é a apresentação, em cada oficina, de experiências realizadas por instituições que integram as Redes, a fim de permitir o debate e o intercâmbio entre os presentes. A partir dos temas abordados durante o debate, são definidos tópicos de interesse para as próximas oficinas.

Vídeos da oficina:

Apresentações da oficina: