Você está aqui

Publicado em: 03/10/2016

Combate ao zika deve incluir promoção da saúde sexual e reprodutiva de mulheres e jovens, diz Unfpa

imprimirimprimir 
  • Facebook
Letícia Ferreira e Tatiana Almeida (Unfpa) / Tradução: Beatriz Nascimento

O plano integrado de enfrentamento à epidemia de zika está em processo de consolidação. Essa é a avaliação das organizações participantes da 3ª reunião sobre Ações Estratégicas para o Fortalecimento da Atenção e Proteção Social às Pessoas Afetadas pelo Vírus Zika,realizada semana passada na sede do escritório da Opas/OMS.

O processo, liderado pelo Departamento de Ações Estratégicas e Programáticas da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saude, começou em maio deste ano, com o objetivo de criar um plano nacional de enfrentamento à epidemia, a partir da identificação das necessidades e ações em curso por parte Ministério da Saúde, seus departamentos e secretarias, bem como da sociedade civil e organismos internacionais.

Participaram do encontro, pelo Sistema da ONU no Brasil, o UNFPA, Fundo de População das Nações Unidas, a Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (Opas/OMS), UNICEF e ONU Mulheres, ao  lado de representações do Ministério da Saúde, Ministério do Desenvolvimento Social, Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde  e do Instituto Fernandes Figueira (IFF-Fiocruz). Nas duas reuniões anteriores, o grupo apresentou e sistematizou os trabalhos que estão em curso nas várias regiões do país, e como eles se relacionam com as áreas de maior incidência de zika.

 Fernanda Lopes,  Representante Auxiliar do UNFPA no Brasil, mencionou quais campos de atuação são significativos para fortalecer a resposta à epidemia. “Nós já avançamos na formulação do mapa de ações estratégicas e na definição dos parceiros estratégicos. Esse instrumento de trabalho facilitará a integração da atenção biopsicossocial. Mas até agora nossos esforços estão naquelas pessoas que já foram afetadas. Precisamos incluir na nossa construção coletiva outras questões. Precisamos  realizar ações de promoção de saúde, focando em saúde sexual e saúde reprodutiva; prevenção das infecções, de gravidez não planejada. Precisamos ampliar o acesso à informação sobre a transmissão sexual do vírus. Precisamos seguir fortalecendo as comunidades, as mulheres, adolescentes e jovens, que podem ser agentes em uma estratégia de  vigilância popular comunitária. Nosso plano integrado, ainda que tenha foco na atenção, não pode deixar de fora ações de vigilância e saúde ambiental. Devemos estimular mecanismos contínuos para o monitoramento integrado das ações”.

O UNFPA tem contribuído para o processo de construção do plano de enfrentamento nacional à epidemia do vírus zika, com base nas boas práticas da iniciativa “Mais Direitos, Menos Zika”, cujo principal objetivo é engajar jovens, adolescentes e mulheres para a realização de ações de mobilização comunitária e vigilância em saúde em diferentes territórios nos estados de Pernambuco (PE) e Bahia (BA), com vistas a mitigar os impactos da epidemia de zika no exercício dos direitos reprodutivos, sem desconsiderar os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais. Para o UNFPA, o engajamento comunitário e as ações de informação e comunicação de risco, baseada no direito dos sujeitos, são meios para estimular a demanda por serviços de melhor qualidade e insumos em saúde sexual e reprodutiva, especialmente para as mulheres, adolescentes e jovens evitarem uma gravidez não planejada ou para aquelas que estão grávidas e que, junto com seus parceiros, podem adotar medidas protetivas para evitar a transmissão sexual do vírus.  

A coordenadora da Unidade Técnica de Família, Gênero e Curso de Vida da Opas/OMS,  Dra Haydee Padilla,  destacou a importância de criar subsídios para a atuação no Brasil. “É relevante ter um relatório sobre zika, que diga o que estamos fazendo, onde existe zika, como as agências atuam. Nós temos que ter identificado os estados e as ações que devemos realizar ou dar continuidade. Ao lado do Ministério da Saúde e das secretarias, essa  é a  maneira de oferecer algo concreto e sustentável”.

Os jovens estão tomando a liderança contra o Zika nas favelas do Brasil, onde a falta de saneamento levou a uma proliferação de doenças transmitidas por mosquitos, incluindo a dengue, chikungunya e o vírus Zika.

"Os jovens foram os primeiros a intensificar o diagnóstico da epidemia da Zika dentro da nossa comunidade", disse Mariselma Bonfim, integrante da Reprotai, uma organização de jovens que trabalham com o UNFPA para divulgar informações sobre a saúde, no subúrbio de Salvador, na Bahia - um dos estados mais afetados pelo surto da Zika.

Em uma tarde recente, um grupo de membros da Reprotai foi de porta a porta em uma favela congestionada para falar com os moradores sobre como melhorar o saneamento ambiental, parte dos esforços para reduzir áreas de reprodução de mosquitos e evitar a propagação da doença.

Os membros se depararam com vários adolescentes mergulhando ao redor de um esgoto a céu aberto para aliviar o calor. Essas são as condições - a falta de água limpa e a proximidade com piscinas sujas - que têm incentivado a propagação da doença.

"Eles [os membros] foram direto para o coordenador distrital de saúde, e, em seguida, para o governo do município, onde exigiram uma solução", disse Mariselma. "Nossos jovens estão agora conduzindo reuniões de negociação para construir uma resposta eficaz para apoiar a comunidade", completou.

Ações

Antes do surto do Zika, a UNFPA trabalhou com a Reprotai, que defende a Rede de Ações dos Protagonistas em Itapagipe, para ajudar os jovens a desenvolver habilidades para a vida. Os membros do grupo se sensibilizaram com os seus iguais em relação à prevenção de infecções sexualmente transmissíveis, o fim da violência de gênero, o acesso a cuidados de saúde reprodutiva e outras questões relacionadas aos direitos.

Quando o Zika atingiu a comunidade, tornou-se claro que o abastecimento de água irregular era o principal problema. Até mesmo as soluções para o acesso a mais água, como o armazenamento de água potável, acabaram por promover a propagação da doença.

Os membros da Reprotai imediatamente entraram em ação. "Eles se sentiam desconfortáveis depois de descobrir que o Zika não só tinha relação com o mosquito, mas com o próprio ambiente", disse Mariselma.

A Zika também pode ser transmitida sexualmente. Depois que a pessoa fica infectada, o preservativo deve ser usado para impedir a propagação do vírus.

Silas Santos, integrante do Reprotai, explicou que eles estão exibindo mensagens nas rádios e aproximando-se de membros da comunidade para incentivar a prevenção do Zika.

"Eu entrego a informação sobre o vírus Zika, saneamento básico, ações preventivas e como parar a propagação do Zika em nossa comunidade", disse ele.

"Até eu tive Zika"

O vírus do Zika afetou desproporcionalmente as comunidades marginalizadas do Brasil.

"90% dos moradores de Lobato foram infectados com os vírus da Zika e da chikungunya", disse Lea Mendes, no bairro de Lobato, em Salvador, onde a água e o saneamento são problemáticos. "Minha família inteira foi infectada. Até eu tive Zika", afirmou.

Os integrantes da comunidade levaram os voluntários da Reprotai até a casa de uma mulher chamada Fernanda Ricardo. Sua filha foi a primeira na comunidade a nascer com microcefalia, uma complicação devastadora da  infecção da Zika durante a gravidez.

Durante a sua gravidez, Fernanda, de 35 anos, fez tudo o que ela, supostamente, deveria ter feito. Ela se cuidou e recebeu consultas de pré-natal regulares. Mas um dia, ela sentiu que algo estava errado.

"A partir do quinto mês, tudo o que eu sentia era dor", ela contou à UNFPA e à Reprotai. "O meu bebê parou de se mover. Minha barriga ficava maior e maior e eu enfrentei muitas dificuldades. Eu perdi o meu apetite, tinha uma dor constante nas costas e na cabeça e raramente podia sair de casa", disse.

Fernanda compartilhou suas preocupações com o seu médico, que determinou que o crânio do bebê não estava desenvolvendo como o esperado.

"Foi quando eu olhei para a minha filha que o médico disse que ela tinha microcefalia e outras malformações", ela voltou a contar, chorando conforme falava. "Eu não podia entender o que aconteceu com ela. A sua cabeça era menor. Ela aparentava ter várias deficiências e o seu batimento cardíaco era bem rápido."

A sua filha, Amanda Vitória, morreu duas horas após o parto. "Ela não chorou. Havia uma deformação em seu rosto. Eu a coloquei em meu peito e comecei a chorar como qualquer mãe no meu lugar faria. Depois que a limparam, eu me acalmei e comecei a acariciar e abraçar minha filha."

A tragédia despertou o medo da comunidade, alertando outras gestantes dos riscos que elas enfrentariam por causa das condições pobres do meio-ambiente.

Hoje, Fernanda Ricardo está grávida novamente, agora de um menino. As mulheres a procuram por informações sobre a Zika e a gravidez.

"Eu alertei muitas mulheres grávidas que vinham perguntar como os sintomas eram. Elas ficaram apavoradas pelo que aconteceu comigo", ela contou.

Desde que o Ministério da Saúde colocou o Brasil em alerta sanitário em 2015, até o quadro epidêmico atual, diversos trabalhos foram desenvolvidos com apoio das instituições presentes na reunião. “Quando olhamos para a rede de atenção à saúde, vemos a importância da organização no território. Estamos caminhando ao lado de outros ministérios e hoje estamos em outro patamar, com organismos internacionais, representações de áreas do Ministério da Saúde, instituições parceiras e com isso acredito que vamos ter um grande resultado com esse trabalho integrado”, afirmou Fernanda Monteiro, da Coordenação-Geral de Saúde da Criança e Aleitamento Materno do Ministério da Saúde.

Para o próximo encontro o grupo espera ter definições em relação à estratégia de operacionalização do plano integrado, com ações de escopo nacional e ações mais específicas a serem implementadas em alguns estados.

A UNFPA também está trabalhando - com a ajuda dos parceiros, incluindo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Canadem, UK Aid, o Governo do Japão e outros grupos civis locais da sociedade - para disseminar informação sobre a ZIka e promover a saúde sexual e reprodutiva e os direitos.

Fotos/Ilustrações: 

Unfpa/Tatiana Almeida