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Publicado em: 26/07/2016

Pobreza e desigualdade no auge do surto do Zika vírus

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Unfpa

Quando Greicy Alves, de 30 anos, foi diagnosticada com Zika em seu primeiro trimestre de gravidez, isso não pareceu ser um grande problema. A doença foi considerada leve. No momento em que seu filho, Gabriel, nasceu, no entanto, a Zika tinha sido declarada emergência de saúde internacional. "Foi cerca de cinco dias depois que eu percebi o tamanho de sua cabeça em comparação com outros recém-nascidos", ela lembrou. "Foi quando eu percebi."

Gabriel tem microcefalia, a principal malformação associada ao vírus da Zika. A microcefalia é uma condição neurológica em que a cabeça da criança é significativamente do que os de outras da mesma idade e a malformação está ligada ao crescimento irregular do cérebro, dificuldades de aprendizagem, epilepsia e outros problemas.

Dos 62 países que registraram a transmissão da Zika através dos mosquitos no último ano, o Brasil tem sido o mais afetado. De acordo com o Ministério da Saúde, até 16 de Julho, houve quase dois mil casos de microcefalia e outras desordens do sistema nervoso relacionadas com a Zika. Os estados mais atingidos, Bahia e Pernambuco, registraram 277 e 371 casos confirmados de microcefalia, respectivamente.

Marginalizados e mulheres pobres foram desproporcionalmente afetados pelo surto. Mulheres como Greicy, que vive no bairro de Calafate, na periferia da capital da Bahia, Salvador, já eram menos propensas a ter acesso a cuidados de saúde reprodutiva, incluindo contraceptivos e cuidados pré-natais. Agora, aquelas com crianças atingidas pela Zika estão lutando para encontrar apoio.

Necessidade de apoio

Greicy Alves foi a primeira mãe em Calafate com um bebê afetado pela Zika. Sendo mãe solteira, com poucos recursos e pouco apoio, sofreu desaprovação e humilhação. "O preconceito nos afeta muito", disse ela à Unfpa. "Todo mundo olha e faz fofoca. No início, eu estava muito irritada com isso, mas agora eu não me importo mais."

Seu filho exige cuidados especializados de longo prazo. Mas ela também precisava de apoio.

"Além de ser uma mãe, ela é uma mulher. Ela tem sua própria vida e outra criança para assegurar, de modo que ela não estava sendo cuidada", disse Azânia Correia, participante do Grupo de Mulheres de Calafate, uma organização parceira da Unfpa que visa acabar com a violência baseada no gênero e promover a saúde e os direitos das mulheres. "E ela não é [apenas] a mãe de uma criança com microcefalia. Ela é Greicy. Ela tem um nome.”

A Unfpa está trabalhando com o grupo para melhorar o acesso das moradoras à saúde reprodutiva - incluindo encaminhamento para o atendimento especializado de mulheres grávidas com Zika.

Uma preocupação constante

"A partir das áreas geográficas com maior incidência do vírus Zika, na região pobre do Nordeste e das características da população mais afetada (mulheres, jovens e negros), pode-se argumentar que a epidemia da Zika representa não só uma emergência de saúde pública, mas também o resultado das desigualdades sociais que ainda permanecem", disse Jaime Nadal, representante da Unfpa no Brasil.

"A Zika resulta da falta de acesso universal à saúde sexual e dos serviços de planejamento familiar", acrescentou.

A Unfpa estima que cerca de quatro milhões de mulheres tenha uma necessidade não atendida de planejamento familiar. E na sequência do surto de Zika, há um aumento da procura de cuidados na saúde sexual e reprodutiva.

Cláudia Santos de Jesus vive a uma quadra de Greicy Alves e está grávida de sete meses. "Eu nunca podia agendar uma consulta na clínica. A agenda do médico estava cheia. Depois de cinco meses, eu finalmente consegui ser atendida."

O vírus da Zika é uma preocupação constante na sala de espera. "Às vezes, estamos no centro de saúde quando a mãe chega escondendo a cabeça [do seu bebê] para evitar que as pessoas olhem ou façam perguntas. Algumas pessoas fazem isso de qualquer maneira e a mãe se sente envergonhada. Se ela confronta a pessoa, nunca é agradável", Cláudia disse à Unfpa. Apesar disso, ela se sente feliz: "Hoje, estou aliviada porque os testes confirmaram que meu bebê está em perfeito estado", afirmou.

Sonhos para as crianças

A Unfpa está trabalhando com as autoridades estaduais e municipais para atender estas exigências crescentes. Além disso, a instituição e os seus parceiros (incluindo o Canadem, o Departamento de Desenvolvimento Internacional do Reino Unido, o Governo do Japão e a Fundação Oswaldo Cruz) estão trabalhando para melhorar o acesso à informação e aos serviços de saúde reprodutiva, assim como aumentar o acesso a contraceptivos. Esta parceria prioriza as mulheres mais vulneráveis, incluindo adolescentes, mulheres de ascendência africana e aqueles que vivem em áreas com maior incidência de microcefalia.

Greicy recentemente se tornou participante do Grupo de Mulheres de Calafate. Ela e Gabriel agora têm mais apoio da comunidade e, quando ela leva o filho para as atividades, outras participantes do grupo ajudam a cuidar dele.

Nas sessões de terapia de Gabriel, Greicy Alves encontrou outras mães de crianças com microcefalia. Elas já começaram a partilhar as suas experiências em um grupo de apoio e ela não perdeu a esperança. "Meu sonho é ver Gabriel andando, falando e correndo", disse ela, "para que eu possa reclamar do seu mau comportamento, tanto quanto eu faço com o meu filho mais velho”.

Fotos/Ilustrações: 

Unfpa/Tatiana Almeida