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Publicado em: 06/09/2018

Os desafios para a saúde decorrentes das migrações na América Latina

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Texto: Antonio Fuchs / Edição: Juana Portugal (INI/Fiocruz)

As migrações no continente americano vêm crescendo exponencialmente nos últimos anos e seus reflexos são sentidos nos sistemas de saúde dos países que recebem, a cada ano, milhares de pessoas em busca de melhores condições de vida. No Brasil, o exemplo mais recente é a imigração de venezuelanos atravessando as fronteiras em Roraima. Nesse cenário, como fica a saúde das pessoas que buscam recomeçar a vida em outros países? Esta questão foi o foco da mesa redonda Migrações Latino-americanas: novo desafio para o controle das Doenças Tropicais Negligenciadas, no dia 04/09, durante o ChagasLeish 2018, da qual participou Fernanda Sardinha, médica cardiologista do Instituto Nacional de Infectologia (INI/Fiocruz).

As palestrantes Aryadne Bittencourt, da Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro, e Maria Aparecida Shikanai-Yasuda, da Faculdade de Medicina da USP, apresentaram as dificuldades que os imigrantes vindos da Venezuela e Bolívia encontram quando buscam acesso ao sistema de saúde brasileiro. Os problemas enfrentados ao começar uma nova vida no Brasil são praticamente os mesmos para ambos, com precariedades de alimentação, habitação, emprego e dificuldade financeira. As expositoras ressaltaram que é necessário repensar as políticas e ações de saúde brasileiras de forma que os profissionais da atenção primária forneçam um atendimento mais integral e inclusivo, atravessando, principalmente, as barreiras de comunicação e de vulnerabilidade social.

Enquanto o pesquisador da Universidade Federal do Piauí, Carlos Henrique Nery Costa, traçou um panorama da migrações internacionais das leishmanioses, ao longo dos anos a partir do Brasil e os riscos que esse movimento traz para diferentes populações do mundo, o representante da iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi), Colin Forsyth, abordou os desafios que os imigrantes latinos enfrentam nos Estados Unidos com a doença de Chagas, cujo número de casos é subnotificado uma vez que grande parte dos portadores não têm acesso aos serviços de saúde norte-americano.

E foi sobre doença de Chagas que Fernanda Sardinha, do INI, falou durante a mesa redonda, ao tratar os desafios enfrentados por esses pacientes em situação de migração. A integrante da equipe do Laboratório de Pesquisa Clínica em Doença de Chagas lembrou que os fluxos de migração da América Latina para a Europa, Estados Unidos, Canadá e Japão acabaram por levar essa enfermidade a novos territórios. No caso europeu, há uma estimativa de 96% de casos não diagnosticados, muito por conta da falta de sistemas de vigilância em saúde.

“Devido à ausência de identificação e tratamento da doença, cerca de 20 milhões de pessoas podem estar afetadas pela doença de Chagas mundialmente. Poucas medidas de prevenção são adotadas pelos países e a doença é subfinanciada. Existem apenas 15 laboratórios pesquisando sobre Chagas nos Estados Unidos e Europa atualmente, uma enfermidade que está migrando junto com as pessoas e que não está sendo estudada fora das áreas epidêmicas”, alertou Fernanda.

Em sua fase aguda a doença de Chagas é curável sendo, portanto, um problema global que pode ser administrado, principalmente com mais financiamento. A identificação precoce da doença diminui os índices de mortalidade e existem diversos tratamentos disponíveis que podem ser explorados pela sociedade científica. “O que encontramos é um ciclo de negligência com esta doença. Os pacientes geralmente são de classe socioeconômica baixa em todo o mundo, as mortes causadas pela enfermidade são subnotificadas e, muitas vezes, atribuídas a outros agravos”, afirmou. "O Trypanossoma cruzi, protozoário causador da doença, tem uma disseminação e crescimento lentos e insidiosos, tanto dentro do indivíduo quanto nas populações. Dificilmente será erradicado no mundo uma vez que é muito improvável que seja eliminado dos mamíferos que infecta naturalmente", explicou.

Encerrando sua exposição, a médica lembrou que, independente do país onde o paciente se encontra, ele precisa de um acompanhamento mais próximo e com acesso a um tratamento mais amplo para as diversas complicações causadas pela doença. “Sabemos que os imigrantes sofrem com carências em diferentes aspectos de vida, mas precisamos garantir condições dignas para todos eles, ofertando melhores tratamentos. Temos que ver o outro lado, estender a mão, ver e compreender como essa pessoa se sente fora do seu ambiente cultural e buscar uma abordagem mais adequada para garantir boas condições de vida para essas pessoas”, concluiu.

Fotos/Ilustrações: 

Antonio Fuchs (INI/Fiocruz)