Por que a formação técnica em saúde precisa da acreditação?
A busca por um sistema para avaliar e garantir a qualidade da educação oferecida por instituições de formação tem sido um desafio para vários países. Não é diferente para as instituições do campo da formação técnica em saúde. Trata-se, neste caso, do desafio da acreditação, tema do 8º Seminário Virtual da Rede Internacional de Educação de Técnicos em Saúde (RETS), realizado no dia 8 de outubro pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). Com o título ‘Acreditação de instituições formadoras de trabalhadores técnicos da saúde’, o evento contou com a parceria das Redes Internacionais de Institutos Nacionais de Saúde (RINSP) e da Rede Latino Americana de Escolas e Centros Formadores de Saúde Pública (RESP).
“O tema se materializa na 4ª Reunião Geral RETS, em novembro de 2018, tornando-se objetivo específico do Plano de Ações Regionalizadas da Rede para a América Latina”, recordou o professor-pesquisador e coordenador da Cooperação Internacional da EPSJV/Fiocruz, Helifrancis Condé. Segundo ele, não há menção da estratégia na formação de técnicos de nível médio. “Percebemos, no âmbito da RETS, que há uma ampla legislação sobre acreditação de cursos universitários, como medicina, odontologia e farmácia. Em alguns países, esse sistema se estende para a formação técnica de nível superior não universitária. No entanto, para a formação técnica em saúde de nível médio não encontramos informação sobre processos de acreditação”, justificou Condé.
A pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), Virgínia Alonso Hortale, com experiência em ensino em saúde pública, convidada para falar sobre alguns aspectos conceituais e operacionais do processo de acreditação e tratar das possibilidades e dos desafios que envolvem a aplicação dessa estratégia na formação dos técnicos em saúde, concorda, informando que, no Brasil, a acreditação remete comumente aos cursos lato sensu, de especialização, aperfeiçoamento e atualização.
O que é acreditação?
Segundo Hortale, há diferenças entre credenciamento, avaliação e acreditação de instituições de ensino. A primeira estratégia, de acordo com a pesquisadora, refere-se ao procedimento de autorização de funcionamento e certificação de instituições formadoras, com base em requisitos legais e normas definidas pelo Ministério da Educação (MEC). A avaliação, por sua vez, é o procedimento que certifica a qualidade de um curso com base em critérios também definidos pela Pasta. Já a acreditação é um processo de consenso, racionalização e ordenamento das ações de uma instituição formadora, visando à melhoria da qualidade de seus cursos. “É realizada com base em padrões adotados por um sistema de acreditação autônomo. A autonomia é própria da acreditação”, caracterizou.
Corrigir rumos... Garantir a qualidade
Ainda segundo a pesquisadora, a acreditação tem como foco o curso e, portanto, busca promover uma mudança planejada de hábitos e estimular os profissionais de todos os níveis a avaliar as fraquezas e forças de suas instituições, apontando ações para a garantia da melhoria da qualidade dos cursos. Este processo caracteriza-se pelo fato de ter um procedimento de avaliação externa, ser realizado por profissionais independentes à organização e a seus mecanismos de planejamento, avaliação, controle e auditoria e por acompanhar as condições de qualidade da formação, pressupondo para isso uma autoavaliação. “Trata-se de analisar quatro dimensões de um curso: a gerencial, a pedagógica, os recursos e a infraestrutura”, listou.
A dimensão gerencial, explicou Hortale, implica estabelecer uma visão dos valores que orientam a instituição, seus processos e atividades gerenciais. Ou seja, diz respeito à missão da instituição formadora, ao modelo de gestão acadêmica, à inserção do curso no contexto da instituição formadora, à relação do curso com o sistema de saúde do país, à competência da coordenação e à atuação gerencial. A pedagógica refere-se às diretrizes éticas, políticas e pedagógicas do curso, orientando e organizando a ação pedagógica e as atividades acadêmicas, pelas quais se promove a formação profissional desejada. Desta dimensão da acreditação fazem parte a fundamentação teórica, as competências previstas no curso, o programa acadêmico, o currículo, o modelo de avaliação, os alunos – ingressos e egressos –, os processos de validação, verificação e certificação do curso, a avaliação da satisfação do aluno sobre o processo de formação, além da repercussão do curso no meio profissional.
O conjunto de docentes, o pessoal técnico-administrativo, os instrumentos e o suporte técnico de auxílio à formação e a área física onde as atividades são realizadas fazem parte, por sua vez, da dimensão dos recursos que um curso dispõe. Já a da infraestrutura expressa a capacidade de articulação didática, pedagógica e administrativa para criar as condições necessárias ao alcance dos objetivos do curso. Esta dimensão, ensinou a pesquisadora, inclui o setor administrativo-financeiro, a planta física da unidade onde o curso funciona, a estrutura físico-funcional do curso, a segurança, a secretaria acadêmica, a biblioteca e o acervo documental e científico e os equipamentos de suporte pedagógico.
E para que o processo de acreditação possa apresentar evidências de melhoria em todas as áreas, atingindo a organização de uma forma sistêmica e global do curso, é importante, na análise de Hortale, que exista um sistema de informação consistente, baseado em taxas e indicadores, que permitam análises comparativas e informações estatísticas para mostrar tendências positivas de sustentação de resultados. “É preciso também que se tenha um programa institucional de melhoria da qualidade, além de normas, rotinas e procedimentos documentados e aplicados e evidências da introdução e utilização de uma lógica de melhoria dos processos nas ações e nos procedimentos formativos”, concluiu.
A experiência do Espírito Santo
Especialista em ativação de processos de mudança na formação superior em saúde e em gestão pedagógica de escolas técnicas de saúde, a psicóloga Mônica Cola Cariello Brotas Corrêa falou sobre a vivência da acreditação no curso de medicina da Universidade Vila Velha-ES (UVV), da qual é coordenadora pedagógica. “Trago a leitura de uma psicóloga que estuda educação e aprendizagem no ensino superior, com vivência em uma escola médica que tem como foco a Atenção Primária à Saúde e o compromisso de formar profissionais para o SUS, que atua há 27 anos como técnica em educação permanente em uma escola técnica do SUS em Vitória”, iluminou.
De acordo com ela, o curso de medicina da UVV fez adesão voluntária ao Saeme, o Sistema de Acreditação de Escolas Médicas (Saeme), criado, em 2016, pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), em parceria com a Associação Brasileira de Educação Médica (Abem) e a Universidade de São Paulo (USP). O sistema de avaliação pontual, específica e padronizada, baseada na apresentação de evidências, propõe ainda o acompanhamento dos cursos acreditados. O Saeme, conforme explicou Corrêa, atua sobre cinco dimensões: da gestão educacional; do programa educacional; do corpo docente; dos discentes e do ambiente educacional.
As equipes que avaliam o curso são compostas por dois profissionais médicos – um da gestão e outro da docência – um profissional de outra área da saúde e um discente. “O sistema dedica também espaço ao usuário, para que se saiba como aquele curso impacta sobre a comunidade”, acrescentou a professora. Trata-se, segundo ela, de um longo processo, que inclui autoavaliação, análise documental, avaliação in loco – realizada em três dias –, preparação de relatório, apresentação de recurso e, por fim, parecer e recomendações. “Em todas as etapas, a relação entre a escola que se voluntaria ao processo e a comissão que avalia o curso é dialógica”, contou, revelando que o processo que, na UVV durou cerca de um ano, serviu para fortalecer não apenas o curso, bem como o programa de qualidade de vida do estudante que foi criado na universidade. “Um sistema de acreditação não serve apenas para dizer o que está atendendo ou não, mas também para o compartilhamento de boas práticas”, aferiu.
Para Corrêa, a acreditação, no contexto da saúde, precisa refletir o que chama de “imagem objeto da educação dos profissionais da área”. Isso implica considerar as mudanças epidemiológicas, a transição demográfica do país, as inovações tecnológicas, as dimensões profissionais e as demandas da população. “Pensar a educação dentro do contexto da formação de profissionais de saúde significa analisar os aspectos sócio-históricos que contextualizam a educação e a saúde. Implica propor um sistema educativo para um sistema de saúde”, destacou. Ela defendeu ainda o uso da estratégia no contexto das escolas técnicas de saúde. Neste caso, acrescentou a técnica da ETSUS Vitória, faz-se necessário retomar a educação permanente em saúde e acolher os diversos atores que a compõe, entre eles conselhos de saúde, profissionais, docentes, discentes e usuários do SUS. “A integração ensino-serviço, marca das ETSUS, torna-se aqui fundamental”, orientou.