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Publicado em: 09/12/2023

RIETS reúne especialistas para discutir a educação baseada em simulação na formação de Técnicos em Saúde

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Paulo Schueler (EPSJV/Fiocruz)

A simulação é uma estratégia pedagógica que articula recursos e conhecimentos para o treinamento de habilidades básicas, como a melhoria das capacidades cognitivas, afetivas e psicomotoras; e complexas, que envolvem aspectos organizacionais e comportamentais, como trabalho em equipe ou conjunto de atos de um indivíduo perante uma situação; mobilizadas em determinado contexto para a realização de tarefas, permitindo aos aprendizes atuar em ambiente que possibilite de forma segura a repetição de uma tarefa com a oportunidade de que todos os integrantes de uma equipe multidisciplinar pratiquem a atividade.

Na abertura do seminário, que reuniu professores e pesquisadores da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Espanha, Portugal e Uruguai, o coordenador do Centro de Relações Internacionais em Saúde (CRIS), da Fundação Oswaldo Cruz, Paulo Buss, afirmou que a região da Ibero-América é extremamente importante para a Fiocruz e que a constituição da Rede Ibero-Americana de Educação de Técnicos em Saúde (RIETS), em março de 2021, permite a conexão de diferentes organizações e intelectos sobre temas prioritários. “São ilhas que se tornam arquipélagos totalmente conectados”, afirmou, antes de lembrar que “médico pediatra, desde minha formação, sempre me perguntei porque não tínhamos uma formação desse tipo (simulação), para facilitar o ensino e em respeito aos pacientes”, ressaltou Buss.

A vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, Cristiani Machado, ressaltou o histórico de trabalho em rede da Fiocruz e de suas unidades, em especial na cooperação estruturante da chamada relação Sul-Sul.

Anamaria Corbo, diretora da EPSJV, lembrou que a Escola é Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde (CC-OMS) para a Educação de Técnicos em Saúde há quase 20 anos. Ela  também ressaltou que a  aproximação da EPSJV com o tema da simulação clínica se deu a partir do exemplo do Centro Nacional de Simulación Clínica de Enfermería (CeNSiCE) da Argentina. “Temos o papel, através das redes nas quais atuamos co Secretaria Executiva, de pensar processos de formação do trabalho de profissionais de saúde de nível médio no contexto mundial. A partir do exemplo da Argentina, decidimos trazer esse debate para o âmbito da Fiocruz, com o Instituto Fernandes Figueira (IFF) e o Instituto Nacional de Infectologia (INI) Evandro Chagas, nos contextos de trabalho da Fundação, não apenas da média e alta complexidade, mas também na Atenção Primária”, afirmou.

O coordenador de Cooperação Internacional da EPSJV, Carlos Batistella, destacou os consensos obtidos a partir de um propósito comum, o de impulsionar o uso da simulação clínica na formação de técnicos. “Isso é pertinente e relevante porque pode favorecer a educação interprofissional, o enfrentamento de desigualdades no ambiente de trabalho, a promoção da segurança dos pacientes e vários outros benefícios dessa metodologia que estamos identificando e que podem ser aplicados no campo da formação de técnicos em saúde”, ressaltou.

O seminário internacional faz parte de um dos projetos aprovados no 1º Concurso de Projetos para Redes inscritas no Registro de Redes Ibero-Americanas da Secretaria Geral Ibero-Americana (Segib), financiado com recursos da Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (Aecid),

Simulação Clínica

Após a abertura do evento, Aida Camps Gómez, presidente da Sociedade Espanhola de Simulação e Segurança do Paciente (Sessep), apresentou a palestra “Simulação clínica como estratégia de ensino-aprendizagem na formação em saúde: desafios para a incorporação de técnicos em cenários interdisciplinares e interprofissionais”, durante a qual abordou sua experiência no treinamento e formação de profissionais na Universidade de Manresa, em Barcelona (Espanha). “A simulação necessita mais de metodologias claras e compreensíveis do que de alta tecnologia. Não é verdade que a inclusão da simulação nos processos de aprendizado demande alta tecnologia. O fundamental é compreender e aplicar as metodologias, dar feedbacks positivos e observar as habilidades técnicas e comportamentais”, destacou.

Gabriel Muntaabski, coordenador do Programa Nacional de Formação em Enfermagem (Pronafe) e presidente da Rede Nacional de Siimulação Clínica (ReNaSiC) da Argentina, ministrou a palestra “Implantação de Laboratórios e Centros de Simulação Clínica: estrutura, equipes e processos”. “Um objetivo sem um plano é só um desejo. É preciso planejamento, mas também aprender a se adaptar a cenários imprevistos. Adaptar-se às demandas de nosso entorno, basta observar o que se passa na Argentina, o que ocorreu no Brasil no passado recente. Processos e projetos que se adaptaram a novas realidades por quatro anos. A melhor forma de a simulação lidar com tais fenômenos é responder às necessidades objetivas das equipes de trabalho”, comentou.

As mesas-redondas

Na parte da tarde do primeiro dia, a presidente da Sociedade Chilena de Simulação Clínica e Segurança do Paciente (Sochisim), Soledad Armijo Rivera; e a instrutora do Serviço Nacional de Aprendizagem (Sena) da Colômbia, Maria Elena Zuleta Uribe; participaram da primeira mesa-redonda  sobre experiências de simulação no ensino da saúde no contexto Ibero-Americano.

Soledad Armijo abordou o tema "Integração curricular da simulação na formação de técnicos em saúde: principais aspectos a serem considerados no projeto de um programa de simulação interprofissional" e Zuleta Uribe falou sobre a "Inclusão da simulação em programas de formação para técnicos de serviços de saúde baseados na estratégia de atenção primária à saúde".

Segundo Soledad, o currículo a ser preparado para as simulações depende de fatores humanos – diferentes categorias, níveis de formação, realidades culturais – e dos recursos disponíveis – tecnológicos, de espaço, laboratoriais, etc. “As metas devem observar competências e perfil dos ingressantes, para estabelecer o desenho de cenários, a integração horizontal das equipes e a avaliação programática”, ressaltou.

Maria Elena Zuleta apresentou a capilaridade do Sena na Colômbia e as estratégias para treinar diferentes populações em seus territórios. “No caso da Colômbia, as diferenças entre o contexto urbano e rural são grandes, além do fato de o trabalho do Sena ser respeitado nos territórios onde ocorreu o conflito armado. São diferentes realidades, e precisamos treinar os profissionais para simularem a atuação seja em um ambiente hospitalar, seja em áreas distantes de unidades de saúde. Trabalhamos com parteiras e temos um programa recém-lançado de Promotores de Saúde”, ressaltou, comparando a similaridade entre os colaboradores desse novo programa e o trabalho desempenhado pelos Agentes Comunitários de Saúde do Brasil.

A integrante do Conselho Diretor da Federação Latino-americana de Simulação Clínica e Segurança do Paciente (Flasic), Alessandra Vaccari; e o presidente da Sociedade Portuguesa de Simulação aplicada às Ciências da Saúde (SPSim), Gustavo Norte; formaram o segundo painel da tarde.

Vaccari abordou a "Construção e validação de cenários de simulação clínica: desafios e possibilidades na formação de técnicos de saúde", e Gustavo falou sobre "A simulação como metodologia de aprendizagem: desenvolvimento colaborativo por centros e sociedades de simulação em nível nacional e internacional - A experiência do registro nacional de centros de simulação e o treinamento básico para instrutores de simulação".

De acordo com Vaccari, no caso da Enfermagem, a força de trabalho técnica e auxiliar é de cerca de 77% dos profissionais no Brasil. “É preciso encarar o fato de que em, no máximo, 10 anos a simulação clínica será um direito do paciente, pois já há evidência científica de que ela (a simulação clínica) aumenta a segurança para o paciente, sua família e também para o profissional. No treinamento, precisamos validar cenários com foco no público-alvo. Um estudo de validação de cenário demanda muitos profissionais que atuam como juízes especialistas. Hoje, as associações nacionais de simulação em Enfermagem planejam montar um repositório de boas práticas, para disseminar o conhecimento”, disse ela.

Por fim, Gustavo abordou o modelo de treinamento em dois dias (na área de anestesiologia) elaborado pela SPSim e que, desde 2017, já formou 75 profissionais em 25 edições do curso. A iniciativa está em reformulação, para promover uma carga horária mais voltada aos aspectos práticos da simulação. “Nossos cursos englobam teoria e prática, e serviram de referência para a criação de cursos similares por demais instituições. Atualmente, estamos nos preparando para fazer a formação teórica na modalidade online e utilizar os dois dias para treinamento prático. É na prática que preparamos melhor os profissionais”, destacou.

A íntegra do primeiro dia de evento pode ser assistida aqui.

A oficina de trabalho

No dia seguinte ao do seminário aberto ao público, foi realizada uma Oficina de Trabalho para convidados, na qual foram discutidas as principais estratégias – de ensino, pesquisa, articulação institucional e cooperação - para avançar na implementação de programas de simulação clínica em instituições de formação de técnicos de saúde no contexto ibero-americano.

Ao final da oficina, foi elaborada a Declaração do Rio de Janeiro sobre educação baseada em simulação na formação de técnicos de saúde, que aborda a necessidade de impulsionar a inclusão da educação baseada em simulação clínica na formação de técnicos em saúde e propõe uma agenda de iniciativas até novembro de 2024 para a RIETS. O documento aponta para um futuro no qual todas as instituições de formação de técnicos em saúde possam incorporar a educação baseada em simulação em seus cursos. A íntegra da carta será publicada em breve pela secretaria-executiva da rede, que é exercida pela EPSJV.

A declaração pública traz avanços obtidos de forma consensual ao longo do seminário, como a concepção de que a simulação como estratégia de aprendizado precisa estar presente não apenas nas atividades clínicas, mas também laboratoriais; e incorporar a interculturalidade, os saberes tradicionais e o estabelecimento de metodologias reproduzíveis em diferentes ambientes. Além disso, a RIETS também estabeleceu a necessidade de os treinamentos englobarem aspectos comportamentais e situações de estresse pós-traumático para o tratamento humanizado de pacientes que tenham passado por situações de violência, por exemplo.

Fotos/Ilustrações: 

Larissa Caetano Guedes (CCDE/EPSJV) - fotos da oficina