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Publicado em: 18/05/2022

Oficina reafirma a importância da formação e do trabalho dos técnicos em saúde no mundo pós-Covid

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Julia Neves - EPSJV/Fiocruz

 

Como parte do plano de trabalho como Centro Colaborador da Opas/OMS para a Educação de Técnicos de Saúde, a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) iniciou, no dia 17 de maio, o 2º Ciclo de oficinas ”A formação e o trabalho dos técnicos em saúde no mundo pós-Covid”. A primeira oficina teve como tema “APS, a agenda 2030 e a formação e trabalho dos técnicos em saúde”. A iniciativa é realizada em cooperação com a Rede Internacional de Educação de Técnicos em Saúde (RETS), a Rede Ibero-Americana de Educação de Técnicos em Saúde (RIETS) e a Rede de Escolas Técnicas de Saúde da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (RETS-CPLP). O evento conta também com apoio do Centro de Relações Internacionais em Saúde (CRIS/Fiocruz) e da VideoSaúde Distribuidora da Fiocruz. “Num contexto de uma crise global instalado pela pandemia da Covid-19, o trabalho em rede foi uma grande oportunidade para os técnicos de saúde e as instituições de formação começarem a trabalhar de forma conjunta com o mecanismo de produzir informações e abordar problemas comuns”, destacou o assessor do CRIS, Sebastián Tobar.

Na abertura do evento, ocorreu o lançamento do e-book, que traz uma síntese sobre o ciclo de oficinas “Os desafios da formação de técnicos de saúde no contexto da pandemia”, realizado em 2021. A publicação foi desenvolvida em cooperação com a RETS e suas duas sub-redes  e contou com apoio do Programa Sub-regional da Opas/OMS para a América do Sul e do CRIS. “Esperamos que esse livro possa circular amplamente entre as instituições e que contribua ainda mais para construção de estratégias de fortalecimento da formação em saúde”, ressaltou o coordenador de Cooperação Internacional da EPSJV, Carlos Eduardo Batistella.

Ele destacou que a pandemia de Covid-19 deixou um rastro de mais de 500 milhões de infectados e mais de seis milhões de mortos, gerando a maior crise econômica, sanitária e social de nosso tempo. “Para os sistemas nacionais de saúde, a pandemia, que trouxe dificuldades até então inimagináveis, também deixa grandes cicatrizes e muitos desafios que precisam ser superados o quanto antes”, afirmou, citando alguns: “A descontinuidade de programas e intervenções comunitárias e a interrupção da prestação de serviços essenciais de saúde, ocorrida em quase todos os países, causaram fortes impactos nos programas ambulatoriais, nos atendimentos de emergência e nas cirurgias eletivas, acrescentando novas preocupações às já existentes”.

De acordo com Batistella, a superação desses desafios e a retomada dos compromissos expressos na Agenda 2030 implicam em grandes responsabilidades para as instituições, tendo em vista a importância de coordenação de respostas eficazes aos problemas e necessidades das populações. Diante disso, Batistella explicou que o 2º Ciclo de Oficinas busca responder diversas questões, como: Em que medida a formação e o trabalho dos técnicos em saúde podem se converter em alternativa estratégica de políticas públicas para os países, especialmente em regiões remotas e desatendidas? Que inovações podem ser introduzidas para a formação de técnicos mais qualificados para a atuação na APS? Quais os principais obstáculos para a valorização do trabalho técnico em saúde?. “A busca das melhores respostas para cada contexto passa pela construção coletiva de conhecimentos viabilizada pelo fortalecimento do trabalho em rede. O fruto da troca de experiências é o que se pode ver na publicação ‘Os desafios da formação de técnicos de saúde no contexto da pandemia'”, afirmou.

Para a assessora regional de Enfermagem e Técnicos da Saúde da Opas/OMS, Silvia Cassiani, o e-book contribui com a discussão sobre a situação atual dos recursos humanos em saúde em toda região das Américas. Segundo ela, a região conta com cerca de 15 milhões de profissionais da saúde, enquanto no mundo são 43,5 milhões. A ONU estima uma escassez de 10 milhões de profissionais até 2030 e com 50% desse déficit na área da Enfermagem. "Particularmente, os técnicos em saúde desempenham um papel relevante no gerenciamento dessa pandemia e nos esforços da vacinação. Agora é uma oportunidade urgente que temos de traduzir o reconhecimento em um apoio real e sustentável. Portanto, melhorar o investimento na educação dos técnicos é uma estratégia prioritária para fortalecer a resiliência dos sistemas de saúde, garantindo a continuidade e o financiamento adequados, o acesso e a cobertura para a população”, opinou.

Na visão do diretor do Programa Sub-regional da Opas/OMS para a América do Sul, Pier Paolo Balladelli, a pandemia determinou um atraso e distâncias ainda maiores das que existiam em relação aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030. “Poder casar o trabalho dos técnicos com isso é extremamente relevante. O acesso da população aos serviços de saúde não foi uma tarefa simples. Se antes já tínhamos lacunas para usufruir do direito à saúde por parte da população, com a pandemia essas lacunas aumentaram ainda mais”, lamentou.

Balladelli contou que, ao menos, 11 ODS têm relação com os resultados em saúde da população e conseguir juntar a formação dos técnicos com a diminuição dessas lacunas é essencial. Ele destacou que os recursos humanos na área da Saúde foram impactados de forma muito evidente durante a pandemia e sugeriu a necessidade de se realizar um diagnóstico. “Sofreram mortes, doenças e tiveram impactos na saúde mental ainda não resolvidos. É preciso fazer um diagnóstico para conhecer as estratégias enfrentadas pelos países, com a intenção de que esse material possa apresentar soluções ou caminhos para que depois tenhamos políticas e programas que nos levem à sistemas de saúde mais eficientes”, apontou.

Ainda de acordo com o alcance dos ODS, Balladelli acredita que é necessário, mais uma vez, enfatizar que falta clareza na identificação do papel e função dos técnicos em relação a assuntos que não sejam específicos a tratamento e cura. “Ainda é necessário que façamos um esforço e é um desafio termos uma formação de técnicos em saúde que saia um pouco do que é exclusivamente um programa relacionado a assistência para que possam ampliar conhecimentos e habilidades. Se de fato queremos conectar os técnicos em saúde nas suas formações com a Agenda 2030, precisamos ter um programa de formação interdisciplinar que coloque em destaque os ODS e a Atenção Primária à Saúde”, finalizou.

APS, a agenda 2030 e a formação e trabalho dos técnicos em saúde

Mediado pela professora-pesquisadora da EPSJV/Fiocruz Márcia Valéria Morosini, o debate reuniu Isabella Koster, diretora científica da Associação Brasileira de Enfermagem de Família e Comunidade (Abefaco) e coordenadora do Núcleo de Disseminação Científica no Programa de Políticas Públicas e Modelos de Atenção à Saúde (PMA) da Vice-Presidência de Pesquisa e Coleções Biológicas/Fiocruz, e Lizardo Huamán, assessor da Direção Nacional de Pessoal da Saúde do Ministério da Saúde do Peru.

Na visão de Márcia Valéria Morosini, a Atenção Primária à Saúde (APS) é um momento estruturante e organizador dos sistemas de saúde e a possibilidade de enfocar o papel estratégico dos técnicos que compõem essa rede de APS e as suas necessidades formativas em contexto de grandes desafios é essencial.

Sobre a experiência peruana, Lizardo Huamán contou que no país existe um sistema de saúde fragmentado com outros diversos subsistemas. Nesse contexto, 35% de todo pessoal da área da saúde – cerca de 268 mil trabalhadores – são técnicos e auxiliares de saúde. No primeiro nível de atenção, isso ganha ainda mais relevância. São 37% de um total de 129 mil profissionais. “Portanto, a presença desse profissional técnico é fundamental no nosso país”, definiu.

Sobre como o trabalho dos técnicos podem ajudar os países a atingir os objetivos da Agenda 2030, Lizardo afirmou que são necessárias mudanças substanciais no sistema de saúde peruano. “Já que nosso sistema está vinculado para o atendimento individual, hospitalar e para as doenças raras. O que é necessário é que tenhamos um sistema que se baseia na Atenção Primária, no qual ela comanda o atendimento e articula todos os outros serviços. Portanto, queremos implementar, aqui, redes integrais de saúde”, disse.

Segundo dados do Ministério da Saúde do Peru, os técnicos e auxiliares em saúde do país foram os profissionais da saúde que mais adoeceram e, consequentemente, mais morreram ao longo da pandemia da Covid-19, seguidos pelo administrativos, enfermeiros e médicos. “Pelas notícias, ficou parecendo que os médicos foram os mais afetados. Mas, no caso da mortalidade, os técnicos também foram os mais afetados. Isso expressa um problema estrutural do nosso sistema de saúde, que o técnico, em geral, é de um nível mais humilde, tem menos recursos e não tem um órgão que os defenda e os oriente”, observou. (Ver apresentação de Lizardo Huamán)

Isabella Koster revelou que, no Brasil, a formação técnica é realizada, majoritariamente, na modalidade subsequente, por meio de uma rede privada de ensino, com concentração das instituições na região Sudeste, realizada como formação em serviço e por meio de grandes projetos de formação de profissionais estimulados pelos Estados com muitas críticas e assertivas. “A formação dos trabalhadores deve ser um processo de construção de conhecimentos científicos, tecnológicos e de formação humana, de maneira que possa superar o modelo de educação profissional baseado na educação tecnicista e de formação em serviço. Esse é um grande desafio”, ressaltou.

Para Isabella, os técnicos em saúde têm um papel estratégico no contexto pós-pandemia, no qual há um aumento dos transtornos mentais, das múltiplas formas de violência, das vulnerabilidades, das desigualdades e da pobreza, além de impactos em todos os segmentos da educação. “O escopo de práticas e a natureza do trabalho desses técnicos os situa próximos aos corpos e almas dos indivíduos, perpassa o cotidiano das famílias e a dinâmica do território, favorecendo a percepção de novas situações e problemas que colaboram no cuidado integral em conjunto com a equipe multidisciplinar”, afirmou.

Pensando em estratégias comuns aos técnicos em Saúde Bucal, Enfermagem e Agentes Comunitários, Isabella exemplificou que há uma ampla participação na elaboração e implantação de novos fluxos e rotinas nas unidades em suas respectivas áreas, além do acolhimento na entrada tanto nas unidades básicas, quanto nos territórios, pelo acesso ao cuidado, inclusive no gerenciamento de conflitos. “Outro papel estratégico é a participação na educação e informação em saúde para combate dos efeitos das notícias falsas, orientações e circulação de materiais educativos, bem como a vigilância ativa, visando cuidado e monitoramento”, pontuou.

Por fim, Isabella destacou que a APS no Brasil tem um papel fundamental de articular ações, com possibilidade de incluir a vida produzida nos territórios e continuar cuidando das pessoas adoecidas com outras comorbidades, produzindo ações de cuidados: “Se faz urgente a recuperação da APS e o fortalecimento da Estratégia Saúde da Família como modelo”. (Ver apresentação de Isabella Koster)